"Enquanto
é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se
aproxima, quando ninguém pode trabalhar" (João 9.4).
Vocês
observam que uma pergunta especulativa fora postulada diante de nosso
Senhor, e que sua resposta a ela é: "Devo trabalhar." Seus discípulos
querem saber algo a respeito do fato misterioso, que algumas pessoas
nascem em uma situação infeliz - cegas, surdas ou mudas - e por terem
sido enviadas a este mundo em situações tão desvantajosas. Vocês não
gostariam de saber? Vocês não gostariam que o Salvador tivesse
esclarecido todo esse mistério? Existem tantos aspectos controvertidos
sobre essa questão, que dificilmente poderia haver um tema mais
sugestivo. Por certo, ele poderia nos ter iluminado muito mais do que
Sócrates ou Platão. Com semelhante oportunidade tão nobre, por que não
se adiantou logo no labirinto da metafísica, ou começou a expor a
predestinação e a tratar dos aspectos nos quais esta concorda ou
discorda com o livre arbítrio? Aí estava uma oportunidade nobre para
interpretar todas as maravilhas da soberania divina e da causalidade
natural. Por que ele não passou imediatamente a abrir tudo isso diante
do povo. Não; com uma resposta bastante brusca, ele se volta para eles e
diz: "Eu preciso trabalhar; vocês podem ficar pensando; vocês podem
falar; vocês podem discutir, mas eu devo trabalhar. Vocês podem se
entregar, caso não saibam fazer coisa melhor, à ocupação inferior das
discussões ruidosas a respeito das palavras, mas eu devo trabalhar.
Tenho chamadas mais nobres para atender do que obedecer àquelas que
chegam aos seus ouvidos carnais."
Entendemos,
portanto, que o Salvador respeita mais o trabalho do que a especulação;
que quando ele entra no mundo, ele irá a todos os pensadores poderosos e
aos cavalheiros que constantemente produzem idéias novas, com
maravilhosos pormenores de sutileza, e os pesará na balança,
avaliando-os como lixo; mas quando acha uma única pessoa que trabalha,
uma pobre viúva que contribuiu com suas duas moedinhas, um pobre santo
que falou em favor de Cristo e foi o meio de uma alma ser convertida,
ele pegará essas obras, feitas por amor a ele, como grãos preciosos de
ouro valioso. Podemos dizer, a respeito do campo do empreendimento e da
obra em favor de Cristo, assim como está escrito a respeito da terra de
Havilá: "O ouro daquela terra é bom", e Cristo o considera assim. Ele
avalia em alto preço a obra da fé e a labuta do amor feita para ele.
I. Pedirei
que prestem atenção ao texto, aos citarmos suas palavras, que
seguiremos de perto; e a primeira coisa que devemos observar é uma
necessidade de trabalhar - "Eu preciso trabalhar."
Com
Cristo não se tratava de "Talvez faça se eu quiser"; nem: "Posso se
quiser", não se tratava de uma mera possibilidade e potencialidade da
obra, mas de uma necessidade imperiosa - "Eu preciso." Ele não podia
deixar de fazer assim. Se eu posso empregar semelhantes palavras a
respeito de quem não é menos divino do que humano, ele estava sob
constrangimento, era obrigado, era compelido. As cordas que o amarravam,
no entanto, eram as cordas da sua divindade. Elas eram as cordas do
amor que amarravam Jesus, que é o amor. "Preciso trabalhar." Era por
amar tanto os filhos dos homens que não poderia ficar sentado,
olhando-os perecer. Não poderia descer do céu e ficar em pé aqui,
vestido da nossa carne mortal, e ser um espectador impassível,
descuidado, desocupado, de tanta maldade, de tanta desgraça. Seu coração
batia forte com a boa vontade. Ansiava por praticar o bem, e sua ação
maior e mais grandiosa - seu sacrifício de si mesmo -, era um batismo
pelo qual precisava passar, e se sentia angustiado até que este se
realizasse (Lc 12.50). Sua grandiosa alma, dentro dele, não podia se
sentir acomodada. Era como o mar agitado que não podia descansar. Cada
um dos seus pensamentos parecia um vagalhão que não podia parar. A sua
alma inteira era como um vulcão que começa a se inchar de lava e quer
dar vazão a ela. Ele precisa deixar sua alma explodir em consagração de
devoção calorosa à causa daqueles que veio salvar. "Eu preciso", diz
ele; "Eu preciso trabalhar."
Não
somente o amor dentro dele produzia essa compulsão, mas também a
tristeza externa o compelia. Aquele cego tocara na corda secreta que
colocou a alma do Salvador em andamento. Se aquele cego não estivesse
ali; ou, melhor, se tivesse sido possível ao Salvador esquecer-se dos
casos de desgraça que existiam ao redor, talvez tivesse se mantido
inativo; mas porque ele via, sempre diante da sua alma, as multidões
perecendo como ovelhas sem pastor; porque reconhecia, muito mais
vividamente do que vocês e eu já reconhecemos, o valor de uma alma e o
horror de uma alma ser perdida, sentia como se não pudesse ficar parado.
"Eu preciso trabalhar", disse ele. Meus irmãos, imaginem se em pé na
praia enquanto um navio está sendo estraçalhado nas rochas. Se houvesse
alguma coisa que pudessem fazer para salvar os marinheiros, vocês não
sentiriam isso dentro de si mesmos: "Eu preciso trabalhar"? Diz-se até
que, às vezes, quando uma multidão vê um navio sendo despedaçado, e
escuta os gritos daqueles que se afogam, parecem todos tomados por
loucura, porque, sem poder expressar de alguma forma prática a sua
bondade e o seu sentimento fraternal para com os que perecem, não sabem o
que fazer, e estão dispostos a sacrificar a própria vida se pudessem
fazer algo para salvar os outros. Os homens acham que devem trabalhar na
presença de uma necessidade pavorosa. E Cristo viu esse nosso mundo
estremecendo acima do abismo. Ele o viu flutuando, por assim dizer, numa
atmosfera de fogo, e ele desejava apagar aquelas chamas, e fazer o
mundo regozijar-se, por isso, precisava trabalhar com essa finalidade.
Cristo não podia, não podia mesmo, repousar e ficar em quietude. Não
sabia se sentir à vontade, nem sequer à noite.
"As montanhas frias e o ar da meia-noite na escuridão Testemunharam o fervor da sua oração."
E
quando ficava fraco e cansado, e precisava comer, não comia, porque o
zelo da casa de Deus o consumira, e para ele era comida e bebida cumprir
a vontade de quem o enviara. O amor que havia dentro dele, e a
necessidade que havia fora dele, agiam em prol de uma única finalidade
comum e formavam uma intensa necessidade, de modo que o Salvador
precisava trabalhar.
Além
disso, vocês precisam se lembrar de que ele viera a este mundo com um
alvo que não seria realizado sem trabalho, mas que era uma paixão com
ele; e por isso, precisava trabalhar porque desejava alcançar o seu
propósito. A salvação dos muitos que o Pai lhe dera; reunir em um só
rebanho aqueles que tinham sido espalhados; achar as ovelhas perdidas; a
restauração dos caídos - ele precisava levar a efeito esses objetivos.
Propósitos eternos deviam ser cumpridos. Seus próprios compromissos como
fiador deviam ser desempenhados. Amara os seus que estavam no mundo, e
os amava de tal maneira que não podia deixar o mundo até que toda a sua
obra fosse totalmente realizada, e ele pudesse dizer: "Está consumado";
assim, antegozando esperançoso a recompensa que seria sua, antecipando a
glória de tirar os homens da escravidão dos seus pecados e de
conduzi-los até à torre da salvação, ele ansiava e ofegava por
trabalhar. O soldado que deseja a promoção despreza a paz e anseia pela
guerra, a fim de que tenha a oportunidade de subir pelas fileiras. O
jovem que quer desenvolver uma carreira não fica satisfeito em vegetar
numa aldeia campestre; ele quer trabalho, e o quer por saber que o
trabalho é a modo de subir no mundo. É perfeitamente razoável, se um
homem tem uma ambição justa, que ele busque os meios de alcançar essa
ambição. A ambição do nosso Salvador era ele ser coroado com as pedras
preciosas que são as almas que salvara, ser o grande amigo do homem, o
grande Redentor da humanidade, e, conseqüentemente, ele precisava
trabalhar. Ele precisava ser o Salvador dos homens; não pode ser o
Salvador deles sem trabalhar; e, por isso, a paixão no lado de dentro, a
necessidade no lado de fora, e o grande alvo que tudo consumia, e que o
instigava para frente, forneciam as três cordas que o amarravam, como
sacrifício, às pontas do altar. "Preciso trabalhar."
Ora,
irmão, sem falar mais amplamente sobre um tema que tanto atrai, quero
perguntar se você e eu sentimos a mesma compulsão; porque se somos assim
como Cristo era no mundo, se somos mesmo dignos de sermos chamados os
seus seguidores, devemos ser compelidos pela compulsão dele, devemos
sentir o fardo dele. Estamos sentindo que DEVEMOS trabalhar? Oh, há
tantos crentes professos que acham que precisam se alimentar! Mais: é
obrigatório que sejam alimentados! Nem sequer avançam tanto na atividade
quanto sentem o desejo de se alimentar; mas é com colher que querem ser
alimentados - e desejam que certas verdades evangélicas sejam picadas e
dissolvidas até virarem mingau para ser colocado na boca enquanto ficam
deitados na cama, preguiçosos demais para digerir a comida depois de a
terem recebido. Existem alguns outros cristãos que acham que sempre se
deve por defeito no trabalho de outras pessoas, como se sua grande
paixão fosse criticar e julgar. Existem outros tantos que querem ser
isentados do trabalho; usarão de todos os subterfúgios para fugirem de
qualquer tarefa; contam como grande vantagem se conseguem fugir de
contribuírem a qualquer causa caridosa ou cristã, ou que possam evitar
arriscar suas próprias pessoas (tão delicadas) a qualquer tipo de
tristeza ou labuta no serviço do Senhor Jesus. Espero que nós não
tenhamos semelhante espírito covarde. Se formos, que deixemos de levar o
nome do evangelho. Se formos, deixemos de aplicar a nós mesmos o nome
do evangelho. Conforme disse alguém: "Ou seja estóico, ou abra mão de
ser chamado estóico". Assim também eu ou seria cristão ou abriria mão de
ser chamado cristão. O seguinte é não ser cristão - esquivar-se do
trabalho de Cristo. Por outro lado, espero que tenhamos sentido a
seguinte compulsão - "Preciso trabalhar." Por que preciso trabalhar?
Para minha própria salvação? Oh, não! Que Deus não permita tal idéia!
Sou salvo, se sou cristão -salvo, não pelas minhas próprias obras, mas
mediante as obras de Cristo. Ouvi o evangelho, que me diz que existe
vida para quem olhar no Crucificado. Já olhei para Cristo, e estou
salvo. Por que, então, preciso trabalhar? Ora, é por que sou salvo. Já
que ele me adquiriu com o seu sangue, eu devo gastar-me em favor daquele
que me adquiriu. Já que ele me buscou através do seu Espírito, preciso
me entregar àquele que me buscou. Já que ele me ensinou pela sua graça,
preciso contar aos outros aquilo que aprendi dele. O motivo que nos
constrange à atividade cristã não é tão vil e egoísta quanto o de assim
obter o céu. Afinal das contas, até mesmo um romanista (romanista
magistral, no entanto - é anomalia estranha que um canto tão doce
pudesse vir de uma gaiola tão fétida de pássaros imundos! [["romanista"
aqui se refere à ala liturgista da igreja anglicana]]) pudesse cantar:
"Te amo; não porque, ó meu Deus,
Espero assim o céu ganhar;
Nem porque os que não te amam
nem são teus
Devem arder na eternidade sem parar.
Tu, a mim, ó meu Salvador,
Abraçaste na cruz a dor;
Porque me suportaste,
os pregos e a lança fatal,
E múltiplas desgraças sem igual."
Nosso
amor é causado por Cristo. O seu amor por nós nos leva à convicção de
que devemos trabalhar por ele. Quando éramos crianças pequenas, uma
amiga bondosa nos deixava felizes num determinado dia, e mais uma
segunda vez, e uma terceira, aquela mesma amiga fazia nosso coraçãozinho
pular de alegria; e quando íamos dormir, dizíamos, antes de adormecer:
"Gostaria de fazer alguma coisa para a Sra. Fulana; gostaria de poder
dar alguma coisa à Sra. Fulana." Talvez não tivéssemos dinheiro; mas, na
manhã seguinte, pegávamos umas poucas flores do jardim e levávamos
nosso pequeno buquê a nossa amiga bondosa, e dissemos: "Aceite, por
favor, esse presentinho, pois você foi tão bondosa comigo." Achávamos
que não poderíamos deixar de fazer isso, e só tínhamos receio de não ser
bem acolhido; e achávamos que se pudéssemos ter feito dez, vinte, ou
cinqüenta vezes tanto, teríamos considerado totalmente de menos; mas era
a nossa felicidade fazer o que fizemos, e desejar fazer mais. O mesmo
espírito nos inspira a desejar fazer algo em favor do Senhor Jesus. Oh!
Ele aceitará alguma coisa da minha parte? Ele me deixará tentar aumentar
a sua glória? Ele me deixará alimentar seus cordeiros, ou ser um pastor
das suas ovelhas, ou cuidar de três ou quatro meninas na Escola
Dominical, ou pajear uma criancinha para ele, ou distribuir um folheto,
ou contribuir com os meus bens em prol de algum dos seus interesses? Oh,
então, quanta bondade dele me dar licença para isso! Como eu gostaria
de poder fazer mais! Quem dera eu tivesse mil mãos para trabalhar por
ele, mil corações e mil línguas, a fim de que eu gastasse tudo para ele!
Espero que vocês realmente sintam, irmãos, que o amor de Cristo que
está em vocês os leve a dizer: "Preciso trabalhar." Então, se vocês
morarem nesta vizinhança, e a maioria entre nós realmente mora neste
lado do rio [Tâmisa], vocês poderão passar pelas ruas e praças, poderão
entrar nas partes mais escuras da região, bem como as redondezas aqui
perto que vocês conhecem, sem sentir: "Preciso trabalhar"? Eu desejaria,
às vezes, que alguns entre vocês que fizeram carreira razoavelmente boa
neste mundo, e que moram um pouco mais longe, na região campestre, onde
o ar fica um pouco mais puro, desejaria que vocês fossem levados a
cheirar o ar no qual a pobreza sempre habita nessa nossa cidade, e acho
que nesse caso, vocês sentiriam a necessidade de trabalhar. Nossos
missionários urbanos devem, às vezes, sentir entusiasmo maravilhoso,
penso eu, devido às vistas que vêem e aos sons que escutam. Devem
realmente sentir a necessidade de trabalhar, pois homens estão morrendo,
o inferno está se enchendo, o evangelho não está sendo levado ao povo, e
o povo não vem até ao evangelho, e as multidões vão seguindo o seu
caminho como se não existisse Cristo, com se não existisse o céu e
(segundo gostaria de poder dizer diante de Deus) nenhum inferno depois
de morrerem; mas a porção delas está neste último lugar, e vivem aqui
como quem se prepara para herdá-lo. Que consigamos, portanto, entender a
primeira parte do texto: "Eu preciso trabalhar."
II. Agora, em segundo lugar, notemos que aqui temos uma especialidade da obra -"Preciso realizar a obra daquele que me enviou."
Existem
muitas pessoas que dizem: "Preciso trabalhar", mas bem poucas que dizem
"Preciso realizar a obra daquele que me enviou." Oh! o trabalho, feito
com o cérebro, com a cabeça em Londres, para ficar rico! É muito
correto, naturalmente. Se alguém quiser progredir neste mundo, precisará
trabalhar. Está muito bem. Eu não diria a nenhum jovem: "Seja
preguiçoso." Se você quiser ser bem-sucedido em alguma coisa, dedique a
ela toda a sua alma, e trabalhe com o máximo esforço possível.
Muitíssimas pessoas sentem a compulsão de trabalhar para progredir, ou
de trabalhar para sustentar uma família. É muito correto mesmo; mas não
preciso exortar vocês a fazê-lo, pois não hesito em dizer que, como
homens honestos, de moral, vocês sentirão aquela compulsão sem qualquer
exortação da minha parte. Alguns trabalham a fim de alcançar fama. Ora,
de certa forma, não é coisa tão iníqua assim; mas não preciso falar a
respeito, por aqueles que escolherem aquele caminho, entrarão nele sem
nenhum conselho meu. Mas a questão aqui é a seguinte: "Preciso realizar a
obra daquele que me enviou." Cristo não entrou neste mundo para ser um
Rei entre reis, nem para ser famoso entre os afamados, mas para ser
Servo dos servos, e cumprir a vontade de Deus. "Aqui estou, no livro
está escrito a meu respeito; vim para fazer a tua vontade, ó Deus" (Hb
10.7). Ele veio para cumpri-la e, tendo vindo, a cumpriu.
Observem
o caráter da obra que Cristo realizou. Não era uma obra que ele mesmo
elaborara. Não era uma obra que colocara diante de si por conta própria,
mas era uma obra que tinha sido ordenada desde os tempos antigos e
determinada por seu Pai. "Vim, não para cumprir a minha própria vontade,
mas a vontade daquele que me enviou." Observem, também, que Cristo não
foi escolhendo o que gostava ou não gostava nessa obra. Ele diz:
"Preciso realizar as obras"; não algumas delas, mas todas elas, quer
fossem obras de penosa labuta ou obras com honrarias, suportando
repreensão por amor à verdade, ou dando testemunho à verdade; obras de
sofrimento pessoal, ou obras de socorro daqueles que sofriam; obras de
gemidos silenciosos e secretos, ou obras de ministério nas quais se
rejubilava no espírito; obras de oração nas encostas da montanha, ou
obras de pregação diante do precipício no cume da montanha. Cristo se
dedicara sem reservas para fazer, em favor de Deus, tudo quanto o Pai
lhe mandasse fazer. E todas essas obras eram obras de misericórdia,
obras da salvação de almas, obras desinteressadas, obras não em prol de
si mesmo, não egoístas. Salvou a outros; a si mesmo não podia se salvar.
Não eram obras mediante as quais aumentasse seus próprios tesouros,
pois era ele quem distribuía aos necessitados; não eram obras mediante
as quais se exaltasse, pois ele condescendia aos homens de condição
humilde; não eram obras mediante as quais conquistasse honrarias entre
os homens, pois oferecia as suas costas aos que o açoitavam: "Os
insultos daqueles que te insultam caíram sobre mim" (Rm 15.3). Suas
obras eram obras de pura filantropia para com os homens, e de inteira
consagração a Deus.
Pergunto
a mim mesmo se vocês e eu já chegamos, como cristãos, a tomar plena e
total consciência de uma compulsão para realizar obras como essas?
"Preciso realizar a obra daquele que me enviou." Ó meus irmãos, é tão
fácil realizarmos as nossas próprias obras, mesmo nas coisas
espirituais, mas é tão difícil sermos levados a este ponto: "Preciso
realizar a obra de quem me enviou." Entendam o que estou dizendo,
existem dez mil ações que são boas em si mesmas, mas que talvez não
fossem certas para serem a minha vocação na vida. Conheço muitas pessoas
que acham que seu dever é pregar, mas fariam melhor se achassem que seu
dever era escutar durante mais algum tempo. Conhecemos alguns que acham
que têm o dever de assumir a liderança de uma classe, mas que talvez
fossem notavelmente úteis na distribuição de folhetos, ou em ser alunos
numa sala de aula por algum tempo. O fato é que não devemos ficar
selecionando e escolhendo o caminho do serviço cristão que devemos
percorrer, mas devemos realizar a obra daquele que nos enviou; e nosso
objetivo deve ser, posto que há tanto trabalho a ser feito, descobrir
qual parte da obra o Mestre quer que façamos. Nossa oração deve ser:
"Mostra-me o que queres que eu faça" - que eu especificamente faça; não
aquilo que é certo de modo geral, mas aquilo que é especificamente certo
para eu fazer. Pode ser que a minha empregada considere algo importante
colocar em ordem meus papéis no meu escritório, mas eu sentiria pouca
gratidão por isso. Se, por outro lado, ela me preparar uma xícara de
café de manhã, quando preciso viajar para uma cidade distante no
interior para pregar, com certeza, apreciarei mais os serviços dela.
Nesse sentido, alguns amigos pensam: "Como eu progrediria se eu
estivesse em determinada posição, se eu fosse feito diácono, ou se fosse
promovido a determinado cargo?" Siga seu caminho e trabalhe conforme
seu Mestre quer que você faça. Você fará melhor no lugar onde ele
colocá-lo do que onde você colocar a si mesmo. Na verdade, você não é
nenhum servo, de modo algum, quando vai selecionando o que você quer
fazer, posto que o próprio espírito e essência do serviço consistem em
dizer: "Não seja feita a minha vontade, mas a tua. Aguardo ordens do
trono; ensina-me o que queres que eu faça."
Nessa
questão, porém, talvez haja menos necessidade de insistir do que há em
insistir na outra. Devemos nos sentir impulsionados para fazer alguma
forma de esforço espiritual, ou serviço desinteressado para o bem do
próximo, e pergunto a vocês, como homens e mulheres cristãos: Todos
vocês se sentem assim? Oh! que maravilhas foram feitas por duzentas ou
trezentas pessoas depois de nosso Senhor subir ao céu. Ora, eram
suficientes para a evangelização de um mundo! Aqui nesta nossa grande
cidade de Londres, com seus milhões e tantos de habitantes - não sei
quantas almas crentes vivem nela, mas deve haver muitos milhares, mas,
até o dia de hoje, somos insuficientes para a evangelização desta
cidade; pois, em vez de atendermos a essas necessidades, Londres era
atendida melhor há dez anos (é simples questão de estatística) do que
está sendo atendida agora, apesar de todos os nossos esforços! E devemos
tolerar essa situação? Se essa situação fosse obrigatória, poderíamos
nos curvar, chorando, diante desse destino inflexível; mas inexiste essa
situação imposta, porque forçosamente a falha é nossa, e, como continua
sendo, vamos perguntar: Qual é a causa desse mal? É esta: nem todos os
cristãos aprenderam, ainda, a verdade de que cada cristão deve
pessoalmente realizar a obra daquele que o enviou. Não devemos repassar a
obra aos nossos ministros, nem pensar que possamos desempenhar o
serviço de Deus por meio de procuração, mas cada homem e mulher
pessoalmente devem dedicar-se ao serviço de Cristo, e sentir, um por um,
que possa aplicar esse texto a si mesmo: "Eu, eu, eu, devo realizar as
obras de quem me enviou; eu devo fazê-las mesmo que nenhuma outra pessoa
a faça; eu preciso - eu sinto compulsão; eu preciso, de uma forma ou de
outra, me dedicar àquelas obras que são especificamente as obras de
Deus, que envia seu povo para esse mundo iníquo com o propósito de as
realizar."
Quero
dizer aqui, a título de ilustração, com o propósito de comprovar que o
progresso não seria impossível se apenas nos dispuséssemos a fazer o
esforço, que provavelmente não haja nenhum movimento religioso que seja
tão formidável e que tenha avançado tão rapidamente quanto o movimento
do ritualismo, que às vezes chamamos de puseísmo! [Reintrodução
ecumênica dos costumes eclesiásticos romanos]. Está avançando de maneira
fabulosa e em dois âmbitos - dois setores que deveriam nos deixar
perpetuamente envergonhados, pois são os dois mais inacessíveis. Isto é,
vocês acharão o puseísmo extravagante pegando domínio das classes
superiores, adentrando as salas de estar, onde achávamos que era
impossível entrar; tomando por assalto as cidadelas (que considerávamos
impregnáveis) dos altos escalões e da respeitabilidade altiva; e achando
ali suas vítimas e devotos, e achando-o de tal maneira, e conseguindo
tão total e completamente domínio sobre eles, que os recursos dos ricos
contribuem de modo muito mais eficiente e total à sua fé falsa do que os
recursos da nossa gente contribuem à nossa fé verdadeira. E, ainda por
cima, o maior avanço desse sistema tem ocorrido entre os mais pobres,
aquelas pessoas que, segundo se diz, não virão para ouvir o evangelho.
Oh, mas isso é mentira, pois virão ouvir o evangelho se o evangelho
fosse pregado de modo que pudessem entendê-lo. Mas é vergonhoso para
muitas igrejas cristãs que essa gente pobre não as queira freqüentar,
enquanto essas mesmas pessoas são afetadas pelos ensinamentos de Pusey,
sim, e até mesmo se convertem a eles, e se põem de joelhos como
adoradores sinceros, e acreditam totalmente no negócio inteiro! Ora,
como isso é feito? Pois bem, vou lhes contar; acreditam que é a verdade e
se agarram a ela, e não sentem vergonha de serem repreendidas por isso,
mas revelam corajosamente a sua posição, sem esconder, sem levar na
brincadeira, sem subterfúgio (como alguns têm feito), mas se definiram
com coragem. E desejo dizer que todas as honrarias são devidas a elas
pela coragem honrosa que demonstraram na sua obra desonrosa! Gosto de
dar a cada um o que lhe é devido, e se você vir coragem, mesmo em um
inimigo, você só pode deixar que seja chamada de coragem. Gosto da
coragem daqueles que se levantam a favor de Roma diante do
protestantismo que predomina, reverencio essa coragem, da mesma forma do
protestante que resiste a Roma onde o romanismo prevalece. Ora, já que
fizeram tudo isso, em grande parte por causa da sinceridade dos
sacerdotes, nós não temos coragem e sinceridade assim entre os nossos
ministros? Espero, caso os ministros tenham falhado nesse aspecto, que
cada um deles comece a se corrigir, e que nós nos tornemos tão sinceros e
corajosos na nossa causa quanto eles possam ser na deles. Mais um
aspecto adicional e este: transformam todos os seus membros e todos os
seus admiradores em missionários sinceros. Vocês os encontrarão lendo
seus pequenos tratados, entregando seus livros, dizendo uma palavra
àqueles jovens na loja, conversando um pouco com aquela moça na sala de
visitas. Vocês os encontrarão em todos os lugares, enviando suas irmãs
de misericórdia. Certo ministro que conheço foi até a casa de um dos
seus membros e disse: "Há uma irmã da misericórdia fazendo um circuito
por aqui; ela visita esta casa?" "Oh, sim", foi a resposta, "certamente;
ela entra em todos os cômodos da casa." "Pois bem", disse ele, "mas nem
eu sabia que eu pudesse visitar todos os cômodos; a irmã de
misericórdia realmente entra em todos os cômodos desta casa?" "Oh! sim,
senhor, e em todos os cômodos ao longo da rua." "Ora, como ela
consegue?" "Oh! Não sei, senhor, mas ela entra, de um jeito ou de
outro." E por que nós não podemos entrar de um jeito ou de outro? Ou se
eles conseguem fazer, por que nós não podemos? Eles podem fazer do jeito
deles aquilo que nós não ousamos nem podemos fazer? Oh! que coisa
vergonhosa para nós - que os soldados do papa sejam mais corajosos do
que os soldados da cruz! Será assim? Deus não o permita! Que a igreja
cristã recupere o espírito antigo, a coragem antiga, e o entusiasmo
antigo - então haverá suficiente para ainda salvar Londres, suficiente
para ainda invertermos a maré do papismo; ainda haverá suficiente para
vindicar o evangelho e para demonstrar que o evangelho é poderoso, forte
o suficiente para, com a ajuda de Deus, derrubar fortalezas. Mas apenas
precisamos reconhecer que nosso trabalho e nossa atividade devem ser
especialmente canalizados para a realização da obra daquele que nos
enviou, e que a façamos de imediato.
III. Em
terceiro lugar, uma vez que o trabalho é necessário, e há uma
especialização no esforço, assim também há uma limitação do tempo:
"Enquanto é dia, preciso realizar a obra daquele que me enviou."
Essa
limitação do tempo pesa muito fortemente nos meus ouvidos, pois provém
dos próprios lábios de Jesus. Jesus Cristo, o imortal, aquele que vive
para sempre, ainda diz: "Eu, eu preciso trabalhar enquanto for dia!"
Meus irmãos, se alguém podia ter adiado seu trabalho, esse alguém era
nosso Senhor eterno. Veja-o. Ele está no céu, mas continua trabalhando.
Existem mil maneiras de ele atender à sua igreja. Não cremos na
intercessão dos santos; eles não podem trabalhar em nosso favor naquele
país de descanso depois de ter deixado esse mundo de labuta; cremos,
porém, na intercessão do Senhor dos santos. Ele continua orando por nós.
A cabeça da igreja continua sempre ativo, mas ele mesmo disse: "Preciso
trabalhar enquanto é dia!" Vejam, ainda, com quanto impacto esse recado
chega até você e eu, uma vez que nada mais poderemos fazer com as
nossas mãos depois de as turfas terem coberto a nossa cabeça! Nessa
ocasião, tudo quanto é trabalho terá acabado, por isso, considerem
aquelas palavras como um aviso, como um milagre que vocês ouvem:
"enquanto é dia". Durante quanto tempo será "dia" conosco? Alguns dias
são muito breves. Os dias do inverno passam muito rapidamente. Minha
jovem irmã, meu jovem irmão, o seu dia poderá ser muito breve; trabalhem
enquanto vocês ainda têm esse dia. Existe algum sinal de tuberculose?
Trabalhem, então; não façam disso uma desculpa para a preguiça, mas um
argumento em favor do trabalho. Trabalhem enquanto é dia mesmo. Ou, se
não existir semelhante sinal, lembrem-se de que o seu sol pode se por
antes de alcançar o meio-dia. Ó jovem, não fique aguardando até suas
capacidades ficarem maduras e as suas oportunidades ficarem amplas, mas
digam: "Preciso realizar as obras daquele que me enviou, enquanto é
dia." Você pode não viver até os vinte e um anos. Oh! seja ganhador de
almas antes de atingir a maioria! Cara irmã, procure ser uma mãe em
Israel, uma matrona em Jesus Cristo, enquanto você for ainda moça.
Procurem conquistar almas para Jesus enquanto vocês ainda são
cordeirinhas no aprisco de Jesus. "Enquanto é dia." Alguns entre vocês
estão ficando com cabelos brancos, e seu dia não pode ficar muito mais
longo. Já entardeceu, e as sombras ficam mais compridas. Agora, vocês
não devem fazer das fraquezas da velhice uma desculpa para ficar fora do
exercício do trabalho. O Mestre não pede de vocês o que vocês não podem
fazer, mas, quanto às forças que vocês ainda possuem, dediquem a ele,
"enquanto é dia", com a convicção de que devem realizar as obras daquele
que os enviou.
"Enquanto
é dia; enquanto é dia." Se eu tivesse um olhar profético, e pudesse
indicar as pessoas aqui em favor das quais os sinos dobrarão durante o
mês vindouro, como esse texto poderia ser adequado a ela! "Enquanto é
dia!" Cara mãe, se você tivesse apenas trinta dias mais para viver - um
só mês -, e se soubesse disso, como você oraria em favor dos seus filhos
durante esse mês! Como você falaria com aqueles meninos queridos a
respeito da alma de cada um, embora nunca antes tivesse tido uma
conversa particular a respeito desse assunto com eles! Caros professores
da Escola Dominical, se vocês soubessem que iriam lecionar somente mais
um, ou dois, ou três, ou quatro domingos, com quanta solenidade vocês
agora começariam a falar com as crianças na sua aula! No entanto,
lembrem-se de que é assim que devemos viver e trabalhar o tempo todo.
Vocês conhecem as palavras de Baxter:
"Eu prego, como se nunca mais fosse pregar,
E como moribundo a moribundos da graça precisar."
Façamos
a mesma coisa. Então, supondo que vocês vivessem mais dez, vinte, ou
trinta anos, mesmo assim, quão breves são esses anos! Depois de terem
passado, parecerão como ontem que se foi! Portanto, deixem-me até mesmo
dobrar o sino sozinho; quero fazer soar o texto como dobrado de finados
nos seus ouvidos: "Enquanto é dia! Enquanto é dia! Enquanto é dia!"
E,
tendo assim levado vocês a se lembrar da sua própria mortalidade, quero
fazer o texto ressoar com outro tom, ao pedir a vocês que se lembrem de
que o "dia" poderá, em breve, ter passado, não para vocês, mas para as
pessoas das quais vocês estão cuidando. Caso desejem ser remissos na
obra, vou lembrá-los de que aqui se trata de duas vidas a serem cuidadas
- outra vida além da sua própria. "Enquanto é dia." Vocês não poderão
falar, vocês não terão a oportunidade de falar, com algumas pessoas em
Londres amanhã, pois morrerão nesta noite. É impossível que tenham a
oportunidade de falar com duas mil pessoas na semana que vem, pois
algumas delas morrerão nesta semana; a cobrança da mortalidade exigirá, a
fome insaciável da morte clamará por elas. Precisarão partir. Oh!
trabalhem com elas "enquanto é dia"!
E
com alguns é "dia" somente por brevíssimo tempo, embora talvez vivam
por muito tempo; pois, no caso de alguns homens, seu "dia" é a única
ocasião em que vão para um lugar de oração; a única ocasião é quando há
doença na casa, e o missionário entra; é a única ocasião em que um
cristão atravessa o seu caminho e recebe uma boa oportunidade de lhes
falar a respeito de Cristo.
Muitos
dos nossos amigos não recebem um dia de misericórdia, em certo sentido.
Não ouvem o evangelho; ele não atravessa o seu caminho. Um bispo disse,
certa vez, que teria sido bom para algumas pessoas de Londres terem
nascido em Calcutá, pois se tivessem nascido lá, o zelo dos cristãos as
teriam procurado; mas por morarem nas favelas periféricas de Londres,
ninguém se preocupa com elas. Ah! Pois, já que o dia delas pode ser
breve, e o dia de vocês também é breve, que cada um cinja seus lombos
hoje e diga: "Preciso realizar as obras daquele que me enviou enquanto é
dia."
Vocês
passaram pela ponte de Blackfriars; podem cair mortos nela no caminho
de volta! Vocês vieram de casa e deixaram ali um amigo querido com o
qual querem falar a respeito de sua alma. Façam isso, pois ele poderá
morrer durante a noite. Acho que foi na vida do Dr. Chalmers que li que,
em certa ocasião, ele passou um fim de tarde com vários amigos, e que
entre eles estava presente o chefe de um clã das Terras Altas, um
personagem muito interessante. Passara o tempo contando histórias de sua
vida e repetindo várias obras interessantes a respeito de viagens em
terra e mar - passaram aquele fim de tarde de modo bastante apropriado,
conforme acharíamos, e depois de se terem entretido muitíssimo, foram
dormir. À meia-noite, a família inteira foi acordada assustada, pois o
chefe do clã estava nas dores e agonias da morte. Subira para seu quarto
em perfeita saúde, mas morreu durante a noite. O pensamento de Chalmers
foi: "Se eu soubesse que ele morreria assim, nesta noite, não a teria
aproveitado de modo diferente? Nesse caso, não deveria ter sido
aproveitada de modo bem diferente pelos homens, sendo que qualquer um
deles poderia ter morrido?" Sentia-se como se a responsabilidade da alma
daquele homem recaísse sobre ele, em certa medida; a própria situação
ocorrida foi uma bênção permanente para ele. Que seja conosco ao ouvir
essa história, e que doravante trabalhemos com todas as nossas forças
"enquanto é dia".
IV. Agora,
encerramos com as últimas palavras do texto: "A noite se aproxima,
quando ninguém pode trabalhar." Aqui temos a lembrança da nossa
mortalidade.
"A
noite se aproxima." Vocês não podem adiá-la. Com a mesma certeza de que
a noite chega na sua hora certa à Terra, assim também a morte chega a
vocês. Não existem artes nem manobras mediante as quais a noite possa
ser adiada ou evitada, nem através das quais a morte possa ser
postergada ou totalmente cancelada. "A noite se aproxima", por mais
pavor que tivermos do fato, ou por mais ansiarmos por ela; ela vem com
passos furtivos, de modo seguro, e no seu tempo certo. "A noite se
aproxima." A noite se aproxima para o pastor, que tem labutado em favor
do seu rebanho; para o evangelista, que tem pregado com sinceridade;
para a professora da Escola Dominical, que sempre amou seus alunos; para
o missionário, que sempre labutou pelas almas. "A noite se aproxima." A
noite se aproxima para aqueles que se sentam nos bancos da igreja; para
o pai, para a mãe, para a filha, para o marido, para a esposa. "A noite
se aproxima." Caro ouvinte, será necessário lembrar-lhe de que a noite
vem para você? Você vai aplicar esse fato a si mesmo, ou vai acalentar a
infeliz ilusão da humanidade: "considere mortais todos os homens, menos
você"? A noite se aproxima, quando os olhos ficarão fechados, quando os
membros se tornarão frios e rígidos, quando o pulso ficará fraco, e
finalmente deixará de bater. "A noite se aproxima."
Salomão
imaginou isso para toda a raça humana: "Nenhum homem há que tenha
domínio sobre o espírito, para reter o espírito; nem tem poder sobre o
dia da morte; nem há arma [ou; dispensa] nessa peleja" (Ec 8.8 - ARC).
Para o obreiro cristão, esse pensamento às vezes é penoso. Coloquei em
andamento planos para a causa de Deus, e alguns deles acabo de iniciar, e
às vezes penso que gostaria de viver até vê-los chegar a uma etapa mais
madura. Talvez eu os veja, mas diariamente tenho a sensação contrária.
Constantemente, sou acossado por essa idéia - posso começar essas
coisas, mas se eu não fizer tudo quanto posso hoje, é possível que não
tenha um amanhã, e, portanto, aquilo que já falei mil vezes na minha
própria alma, que farei tudo quanto puder agora. Quanto aos anos
vindouros, eles terão de cuidar de si mesmos. Não tem proveito, ao
iniciarmos planos, antegozar aquilo que possam vir a ser nos anos
futuros, e então registrar como obra nossa aquilo que porventura possa
surgir à parte da nossa obra. Não! Devemos fazer imediatamente tudo
quanto precisa ser feito. Deus pode se dar o luxo de esperar com a obra
dele, mas nós não podemos arriscar qualquer atraso com a nossa. Devemos
trabalhar agora, "enquanto é dia; a noite se aproxima, quando ninguém
pode trabalhar." A aproximação da noite, embora sempre seja consoladora
para o cristão, quando se lembra de que verá o seu Mestre, nem por isso
deixa, às vezes, a ser um pensamento muitíssimo pesado para nós que
estamos ocupados em muitas obras em favor de Cristo, e que gostaríamos
de viver até vermos algumas dessas obras prosperarem.
Quão
lúgubre é a conclusão! "Quando ninguém pode trabalhar." Mãe, depois de
partir, você não poderá se inclinar perto dos seus filhos e lhes ensinar
o caminho da vida. Se você quiser que sejam ensinados nas coisas de
Deus, não será a sua voz que então os ensinará a respeito do amor de
Jesus. Missionário, se aquele seu distrito não for atendido, e se almas
forem perdidas, não será você que poderá compensar os danos que causou
nem o mal que provocou. Sua memória e seu amor serão coisas do passado.
Você não está mais ali. O lugar que antes conhecia você, já não o
conhece mais.Você não poderá compartilhar das ações dos vivos. Se você
abriu, mediante o seu exemplo, as comportas do pecado, não poderá voltar
para fechá-las, nem para deter as correntezas.
Se
deixou escapar oportunidades de servir a Jesus aqui, não poderá voltar
para recuperá-las. Se alguém fosse guerreiro, e tivesse perdido uma
batalha, poderia ansiar pelo raiar do outro dia para que ainda houvesse
outro conflito a fim de ainda recuperar a campanha; mas se você perder a
batalha da vida, não precisará travá-la de novo. O comerciante pode ter
sido forçado à falência uma vez, mas confia que, com negócios mais
cuidadosos, ainda alcançará o sucesso. Mas a falência no nosso serviço
espiritual é uma falência para sempre, e não teremos a oportunidade de
recuperar a nossa perda. É uma noite na qual ninguém poderá trabalhar.
As miríades diante do trono não poderão prestar nenhum serviço aqui. Não
poderão aliviar a pobreza de Londres; não poderão remover sua vergonha e
seu pecado. Poderão louvar a Deus, mas não poderão ajudar aos homens.
Podem cantar àquele que os amou e os lavou, mas não podem pregar a
respeito dele, nem proclamá-lo àqueles que precisam ser lavados na fonte
que está cheia do sangue de Cristo. Seria quase desejável que os que
estão no céu pudessem fazer essas coisas, pois certamente realizariam a
obra melhor do que nós! Mas o Mestre decretou de outra forma. Eles não
devem lutar mais: devem só ficar em pé para contemplar a batalha. Não
devem mais cavar os campos: comerão dos frutos, mas já não podem lavrar a
terra. Esses trabalhos ficam por conta daqueles que ainda estão aqui.
Não vamos lastimar porque não poderão participar da obra, mas, pelo
contrário, agradeçamos a Deus porque ele nos reserva toda a honra, além
de toda a labuta. Mergulhemo-nos na obra agora. Assim como os soldados
britânicos receberam do rei, quando eram poucos, o recado de que ele
esperava que não houvesse um só homem entre eles que desejasse que
fossem mais numerosos; pois, disse ele: "quanto menos homens forem,
tanto maior será a parte que cada homem terá nas honrarias"; assim, não
vamos desejar receber ajudantes dos céus. Tendo o poder de Deus pairando
sobre nós; com a Palavra aberta ainda transbordando de promessas
preciosas; com o propiciatório ainda rico em bênçãos; com o Espírito
Santo, a Deidade irresistível, ainda habitando em nós; com o nome
precioso de Jesus, que faz o inferno estremecer, para continuar nos
animando, saiamos à obra com esta convicção: "devemos trabalhar enquanto
é dia, pois a noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar"; que
trabalharemos enquanto durar o dia -escutando, atrás de nós, as rodas do
carro da guerra da eternidade, avançaremos com rapidez, com todas as
nossas forças e capacidade.
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