Domingo de manhã, 31 de Julho de 1870
"Enquanto
é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se
aproxima, quando ninguém pode trabalhar" (João 9.4).
Se
esse nono capítulo de João é intencionalmente uma continuação da
narrativa contida no oitavo, apresenta diante de nós um fato
extraordinário. Vocês vão notar que, no oitavo capítulo, nosso Senhor
estava a ponto de ser apedrejado pelos judeus; por isso, retirou-se do
círculo dos seus inimigos enfurecidos, e passou pela multidão, de modo
calmo e condigno, como que não estava desconcertado, mas com total
domínio-próprio. Seus discípulos, que tinham visto o perigo pelo qual
ele passava, reuniram-se ao seu redor enquanto ele se retirava. O grupo
seguiu caminho com passos firmes até alcançar o lado de fora do templo.
Ao lado da porta, estava sentado um homem que, segundo bem se sabia, era
cego de nascimento; nosso Salvador, sem se incomodar pelo perigo que o
ameaçara, fez uma pausa, e fixou os olhos no pobre mendigo,
perscrutando-o atentamente. Interrompeu seu progresso para mais adiante,
a fim de operar o milagre da cura desse homem. Se for o caso de os dois
capítulos formarem uma única narrativa, então temos diante de nós um
exemplo memorável da maravilhosa calma de nosso Salvador enquanto corria
perigo. Quando os judeus pegaram pedras para apedrejá-lo, ele não expôs
desnecessariamente a sua vida, mas, depois de ter retirado só um
pouquinho do perigo imediato, foi detido diante da desgraça humana, e
ficou ali em pé, por algum tempo, e com toda a calma, para realizar um
ato de misericórdia. Oh! a majestade divina da benevolência! Como torna
corajoso um homem! Como o leva a se esquecer de si mesmo e a desprezar o
perigo, a ficar tão calmo que possa cumprir com serenidade a obra que
lhe foi dada! É assim que vejo o meu Salvador, com consideração pelo
próximo e sem se importar consigo mesmo. Nisso, há uma lição para nós,
não somente para imitarmos, mas para o nosso consolo! Já que ele, ao se
esquivar de seus inimigos, ainda parou para abençoar o cego, quanto mais
abençoará a nós, que buscamos a sua face, agora que ele está exaltado
nas alturas, e revestido de poder e glória divinos à destra do Pai!
Agora, nada mais existe para apressá-lo, já não mais está exposto ao
perigo; envie sua oração para o alto, respire os seus desejos, e ele
responderá: "Segundo a sua fé, assim lhe seja feito."
Ao
lermos a respeito dessa cura do cego, voltamos a achar marcante a
diferença entre os discípulos e o Mestre. Os discípulos consideravam
esse homem, cego de nascença, um grande enigma, um fenômeno estranho, e
começaram, como fazem os filósofos, a sugerir teorias a respeito de como
seria consistente com a justiça divina que um homem nascesse cego.
Perceberam que devia haver alguma conexão entre o pecado e o sofrimento,
mas neste caso não conseguiram rastrear a conexão; e assim, ficaram
especulando a respeito do problema notável diante deles, que não
conseguiram resolver. De modo sugestivo, nos fazem lembrar dos teoristas
a respeito de outra dificuldade, que ainda não foi explicada, que é a
origem do mal. Queriam navegar nas profundezas insondáveis e estavam
ansiosos para serem pilotados pelo seu Mestre; mas este tinha outro
trabalho, e melhor, para realizar. Nosso Senhor tinha uma resposta para
eles, mas era breve e ríspida. Ele mesmo não estava contemplando o cego
do ponto de vista deles, nem estava considerando como é que o homem
chegara a ficar cego, mas como seus olhos podiam ser abertos. Não
meditava tanto sobre as várias dificuldades metafísicas e morais que
pudessem estar envolvidas no caso, quanto qual seria a melhor maneira de
tirar daquele homem o seu sofrimento, e livrá-lo da sua situação tão
digna de pena; serve como lição para nós - em vez de perguntarmos como o
pecado entrou no mundo, devemos perguntar como poderemos tirá-lo do
mundo; e em vez de nos preocuparmos em saber se essa providência é
consistente com a justiça, e como aquele evento pode ser harmonizado com
a benevolência, devemos enxergar como essa providência e benevolência
podem ser de proveito prático. O Juiz de toda a Terra pode cuidar de si
mesmo; ele não está passando por dificuldades que precise de conselho
nosso. Somente a incredulidade presunçosa ousaria supor que o Senhor
ficaria perplexo. Seria muito mais proveitoso para nós realizarmos a
obra de quem nos enviou em vez de ficar julgando a divina providência ou
o nosso próximo. Não nos cabe especular, mas realizar ações de
misericórdia e amor, de conformidade com o teor do evangelho. Sejamos,
portanto, menos curiosos e mais práticos, menos propensos a descascar
abacaxis doutrinários, e mais a apresentar o pão da vida à multidão que
está passando fome.
Podemos
acrescentar, como parte das observações, que nosso Senhor nos conta
qual é o modo certo de considerarmos a tristeza e o pecado. Foi horrível
ver um homem privado da luz do sol desde o nascimento, mas nosso
Salvador encarou a situação com coragem, sem nenhum desânimo. Explicou
desta maneira a cegueira daquele homem: "Nem ele nem seus pais pecaram,
mas isso aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida
dele." A calamidade desse homem era a oportunidade de Deus. Sua aflição
servia de ocasião para que a bondade, a sabedoria e o poder divinos
fossem demonstrados. O pecado está em todos os lugares - em mim, em
outras pessoas, nesta cidade, nas nações do mundo e, muito
destacadamente nesta guerra [Independência da América]
triplamente amaldiçoada; mas o que direi a respeito? Vou me sentar e
torcer as mãos, em total desespero? Se fizesse isso, não ajudaria em
nada. Pelo contrário, se eu quiser fazer o bem, assim como fazia Jesus,
precisarei adotar uma postura corajosa e esperançosa, e, desta forma,
manter inteiro o meu coração, e meus lombos cingidos prontos para o
serviço. O conceito que o Mestre tem de todos esses danos é que eles
fornecem, mediante a benevolência de Deus, uma plataforma para a
demonstração do amor divino. Lembro-me que, na autobiografia do dr.
Lyman Beecher, ele fala de uma jovem convertida que, depois de achar a
paz com Deus, disse: "Regozijo-me porque eu era uma pecadora perdida" - e
o escritor ouviu. É um motivo estranho para se regozijar, pois se trata
de algo deplorável; mas a explicação dela foi a seguinte: "Isso porque a
infinita graça, e misericórdia, e sabedoria de Deus, e todos os seus
atributos, são glorificados em mim de um modo que nunca teriam sido se
eu não tivesse sido pecadora e não tivesse sido perdida." Não é nesta
luz que é melhor enxergar as coisas mais tristes? O pecado, de uma
maneira ou outra, por mais desesperadamente iníquo que seja, será
obrigado pela soberania divina a demonstrar a bondade de Deus. Assim
como o ourives engasta em ouro um diamante brilhante, assim também o
Senhor tem permitido que a iniquidade moral e física entrem neste mundo
para deixar sua infinita sabedoria, graça, poder e todos os seus outros
atributos serem vistos melhor pela totalidade do universo inteligente.
Na próxima ocasião em que virmos o pecado abundante, digamos: "Aqui há
uma oportunidade para uma grande realização da misericórdia." Suponho
que os grandes engenheiros ficaram muito contentes com Niágara, para
atravessá-la com uma ponte, muito contentes com o monte Cenis, para
fazer um túnel nele, muito contentes com o istmo de Suez, para
atravessá-lo com um canal, contentes pela presença das dificuldades, a
fim de que houvesse oportunidade para a perícia da engenharia. Se não
existisse o pecado, não teria havido o Salvador; sem a morte, nenhuma
ressurreição; sem a queda, nenhuma Nova Aliança; sem raça rebelde,
nenhuma encarnação, nenhum calvário, nenhuma ascensão, nenhuma segunda
vinda. Essa é uma excelente maneira de considerar o mal, e é
maravilhosamente estimulante. Embora não saibamos, e talvez nunca
saberemos, a razão mais profunda pela qual um Deus infinitamente
gracioso permitiu que o pecado e o sofrimento entrassem no universo,
poderemos, pelo menos, encorajar este pensamento prático - Deus será
glorificado na conquista do mal e das suas consequências, e, portanto,
cinjamos os nossos lombos, em nome de Deus, para nossa parte no
conflito.
Tudo
o que dissemos até aqui foi a título de prefácio. Agora, convido a
todos, e que Deus os ajude a aceitar o convite, a considerar, em
primeiro lugar, o Mestre Obreiro, e em segundo lugar, nós mesmos como obreiros sujeitos a ele.
I. O texto é um retrato do GRANDE MESTRE OBREIRO. Vamos ler de novo: "Enquanto é dia, precisamos realizar a obra daquele que me enviou. A noite se aproxima, quando ninguém pode trabalhar." E observemos, em primeiro lugar, que este Mestre Obreiro assume sua própria parte na obra - "Eu preciso trabalhar" - Eu, Jesus, o Filho do Homem, trabalhando aqui na Terra durante dois ou três anos de ministério público, eu, eu preciso
trabalhar. Em certo sentido, toda a obra do evangelho é de Cristo. Como
sacrifício expiatório, ele pisoteia sozinho o lagar; como a grande
Cabeça da igreja, tudo quando é feito deve ser atribuído a ele; mas no
sentido em que ele usou essas palavras, falando da sua própria natureza
humana, falando a respeito de si mesmo habitando entre os filhos dos
homens, havia uma parte da obra de aliviar as aflições desse mundo, e de
disseminar a verdade do evangelho entre os homens, que ele precisava
realizar, e ninguém mais a poderia realizar. "Eu preciso trabalhar." "Eu
preciso pregar, e orar, e curar, eu mesmo, o Cristo de Deus." Na
salvação, Jesus faz pessoalmente a obra; ao doar a vida, ele não tem
cooperador humano; mas em iluminar, a ele referido no v. 5: "Enquanto
estou no mundo, sou a luz do mundo" - em iluminar, ele tem muitos
companheiros. Embora fosse ungido com o óleo da alegria mais do que seus
companheiros nesse aspecto, não deixa de ser verdade que todos os seus
santos são a luz do mundo, assim como Jesus Cristo, enquanto ainda
estava no mundo, era a luz do mundo. Alguns deviam ser curados por ele e
não poderiam ser curados por Pedro, nem por Tiago, nem por João; alguns
precisavam receber as boas-novas, mas não deviam ouvi-las da boca de
ninguém, senão do próprio Jesus. Nosso Senhor, quando se tornou servo
dos servos, fez sua parte nas labutas em favor dos irmãos eleitos. Como
isso deve nos encorajar! Para o general, basta que ele fique num local
de observação e dirija a batalha; não esperamos, em geral, que o
comandante participe pessoalmente do esforço do conflito; mas com Jesus,
não é assim - ele lutou nas fileiras como soldado comum. Embora, como
Deus-homem, Mediador, ele dirija e governe toda a aliança da graça,
porém, como participante da nossa carne e do nosso sangue, suportou os
fardos e o calor do dia. Como o grande Arquiteto e Mestre de Obras
supervisiona tudo, mas existe, ainda, uma parte do seu templo espiritual
que ele condescendeu em edificar com as próprias mãos. Jesus Cristo
participou pessoalmente da luta e resistiu até o derramamento do seu
sangue, em meio à poeira de tumulto da contenda. Diz-se que o que tornou
valentes os soldados de Alexandre foi o fato de quando estavam cansados
pelas marchas prolongadas, Alexandre não seguia a cavalo, mas marchava
lado a lado com eles; e se um rio precisasse ser atravessado, em
confronto com a oposição, o primeiro a enfrentar todos os riscos era o
próprio Alexandre. Que seja este o nosso encorajamento - Jesus Cristo
participou pessoalmente da evangelização do mundo, não somente
desempenhou seu próprio papel como cabeça, profeta, e sumo sacerdote, e
apóstolo, obras nas quais ele agiu sozinho, mas também trabalhou entre
os construtores comuns na edificação da Nova Jerusalém. "Eu preciso realizar a obra daquele que me enviou."
Vocês devem notar, em seguida, que nosso Senhor ressaltava muito a obra graciosa que foi colocada sobre seus ombros. "Preciso
realizar a obra daquele que me enviou - mesmo se alguma outra coisa não
for feita, preciso fazer aquela. Quanto ao trabalho que Deus me alocou,
preciso realizá-lo fielmente como um servo dele. Mesmo com os judeus me
perseguindo com suas pedradas prontas para me alcançarem, eu preciso
cumprir a obra da minha vida; preciso abrir os olhos cegos e espalhar a
luz ao meu redor. Posso me esquecer de comer pão e posso me esquecer de
procurar abrigo do orvalho que cai tão pesadamente à noite, mas quanto a
esta obra, preciso realizá-la." O Redentor sentia sobre si um
constrangimento, mais importante das demais coisas, para realizar a
vontade do seu Pai. "Não sabiam que eu devia estar na casa de meu Pai?"
(Lc 2.49). "O zelo da tua casa me consumiu." No caso do Salvador, tudo
na vida cedia lugar à sua paixão dominante. Havia algumas obras que
nosso Senhor não queria realizar. Quando alguém lhe pediu que mandasse o
irmão daquele a dividir com ele a herança (embora isso talvez fosse de
utilidade), Cristo não sentia vocação para isso, e disse: "Homem, quem
me designou juiz ou árbitro entre vocês?" (Lc 12.14). Quando, porém, se
tratava da obra de disseminar luz, ficava por conta dele. Essa era a
especialidade da sua vida; a ela dedicou a totalidade das suas forças.
Ele era como uma flecha enviada de um arco, que não voava para dois
alvos, mas com uma força indivisível apressava-se em direção ao único
propósito. Não foi rompida, por um momento sequer, a unidade do seu
propósito; nenhum segundo objetivo chegou a eclipsar o primeiro. Certas
obras da graça, obras da benevolência, obras da iluminação, obras da
cura, obras da salvação, ele devia realizá-las; ele mesmo devia realizá-las, e cumprir sua própria parte nelas.
Ele descreve, corretamente, essa obra como "a obra de Deus." Notem
isso. Se já viveu um homem que pudesse ter reivindicado para si mesmo
parte das honrarias da obra, este seria o Senhor Jesus; no entanto, ele
diz, repetidas vezes: "O Pai que habita em mim faz as obras." Como
homem, ele toma o cuidado especial de nos apresentar um exemplo, ao
reconhecer constantemente que, se alguma obra fosse realizada por nós,
seria a obra de Deus através de nós; e, portanto, embora ele diga: "Eu
preciso trabalhar", notem as palavras que se seguem: "a obra daquele que
me enviou." Continuam sendo as obras de meu Pai quando são notavelmente
minhas. Embora eu precise realizálas, continuarão sendo atribuídas a
ele, e dessas obras ele derivará honra. Meus irmãos, se eu não digo
muito a respeito disso no tocante a Cristo, é porque parece bem mais
fácil aplicar tudo isso a nós de que a ele, e já que é tão facilmente
aplicável, que seja por nós lembrado hoje, de modo humilde e prático.
Meu irmão, se você conquistar uma alma mediante o seu esforço, a obra é
de Deus; se você instruir os ignorantes, é você que o faz, mas é Deus
quem o faz através de você, se foi feito corretamente. Aprenda a
reconhecer a operação da mão de Deus sem retirar a sua própria mão da
obra. Aprenda a estender a sua própria mão, sem deixar de sentir que ela
é fraca se Deus não intervir com o próprio braço. Combine nos seus
pensamentos a sua necessidade do Deus que a tudo opera, bem como o dever
dos seus próprios esforços. Não faça da atuação de Deus uma desculpa
para sua preguiça, nem deixe que suas próprias atividades zelosas possam
fazer com que esqueça que a ele pertence o poder. O Salvador é, para
nós, um modelo de como colocar isso na forma exatamente correta. É obra
de Deus abrir o olho cego; se o olho tiver sido lacrado nas trevas desde
a nascença, nenhum homem poderá abrilo, e forçosamente será só Deus
quem fará essa obra; no entanto, o barro e a saliva precisarão ser
usados, e deverá haver recurso a tanque de Siloé, senão, a luz nunca
entrará no olho ainda sem vista. Assim também na graça, é privativo de
Deus iluminar o entendimento pelo seu Espírito, é próprio dele comover a
disposição de ânimo, é dele converter a natureza inteira, é dele a
santificação, e é dele a salvação; porém você, ó crente, deve operar
esse milagre; a verdade que você disseminar iluminará o intelecto, os
argumentos que você usar influenciarão a disposição de ânimo, as razões
que você apresentar afetarão a vontade, o evangelho precioso que você
ensinar purificará o coração; mas é Deus quem realiza a obra, Deus
habitando no evangelho. Cuide bem disso, pois é somente à medida que
você vir essas duas verdades que você lidará corretamente com a sua
obra. Eu devo
trabalhar pessoalmente, e essa obra santa deve ser minha atividade
específica, mas devo fazê-lo com um espírito certo, e sentir, durante o
tempo todo, que se trata da obra de Deus em mim e através de mim.
Nosso Senhor, nesse retrato de si mesmo como o Mestre Obreiro, é claramente visto reconhecendo sua verdadeira posição. Ele diz: "Preciso realizar a obra daquele que me enviou."
Ele não sairia da parte do Pai por conta própria. Não estava aqui como
mandante, mas como subordinado, como embaixador enviado pelo seu rei.
Seu próprio testemunho foi: "Por mim mesmo, nada posso fazer; eu julgo
apenas conforme ouço, e o meu julgamento é justo, pois não procuro
agradar a mim mesmo, mas àquele que me enviou" (Jo 5.30). Com
frequência, ele relembrava aos seus ouvintes, nas suas pregações, que
falava em nome do seu Pai, e não no seu próprio nome; assim, por
exemplo, quando disse: "As palavras que lhes falo, não as falo de mim
mesmo." Assumiu sobre si a forma de servo. Ele disse: "O Espírito do
Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu" (Lc 4.18). Deus lhe deu uma
comissão, e lhe deu a graça necessária para cumprir aquela comissão, e
ele não se envergonhava de confessar sua condição de prestar serviço ao
Pai. Embora Jesus fosse, na sua natureza divina, Deus sobre tudo,
bendito para sempre, cujos louvores dez mil vezes dez mil harpistas se
regozijam em entoar naquele mar de vidro, ele condescendeu em ser
enviado como Mediador - enviado comissionado da parte de Deus, um servo
para cumprir as ordens de Iavé. Por causa dessa sua condição,
cumpria-lhe, como servo, ser fiel àquele que o enviou; e Jesus sentia
que esta era parte do constrangimento divino, que o impeliu a dizer: "Eu
preciso trabalhar"; 'Sou um homem enviado; preciso prestar contas a
quem me enviou.' Ó, meus irmãos e irmãs, eu queria que todos nos
sentíssemos assim; pois assim como o Pai enviou Cristo, assim também
Cristo nos enviou; e nós estamos agindo sob a autoridade divina como
representantes divinos, e devemos, se quisermos prestar com alegria as
nossas contas, ser fiéis a comunhão com que Deus nos honrou ao nos
confiar o evangelho de Cristo. Ninguém poderá servir devidamente a Deus
se imaginar que opera em uma base independente. É por meio de você
reconhecer sua posição verdadeira que você será ajudado a progredir na
diligência incessante na causa do seu Deus.
Mas,
ao passar um pouco de tempo em cada uma dessas questões, devo lembrar
vocês que nosso Senhor não se considerava meramente um oficial
executivo, mas acrescentava zelo sincero na obra que empreendia. Vejo zelo indomado ardendo como chama abafada no próprio centro da brasa viva do texto. "Eu preciso realizar
a obra daquele que me enviou." Não: "Eu vou", "eu pretendo", "eu
deveria", mas "eu preciso." Apesar de ter sido enviado, a comissão era
tão apropriada para sua natureza, que trabalhou com toda a alegria de um
voluntário. Foi comissionado, mas sua própria vontade era sua compulsão
principal. O Senhor Jesus tornou-se Salvador, não por constrangimento,
mas de livre e espontânea vontade. Não poderia fazer diferente; possuía
em sua natureza uma necessidade sagrada que o impulsionava a praticar o
bem. Ele não era Deus, e Deus não é a fonte da benevolência? A deidade,
de modo perpétuo tal como o sol, não envia seus raios para alegrar as
suas criaturas? Jesus Cristo, Deus encarnado, pelo seu instinto
irresistível, forçosamente será encontrado outorgando o bem. Além disso,
ele era tão terno, tão compassivo, que sentia a compulsão de ser uma
bênção para aqueles que sentiam tristeza. Sentia compaixão por aquele
cego. Se o cego lastimava sua própria escuridão, não era menos do que o
Salvador a lastimava por amor ao pobre sofredor. Os olhos que Cristo
fixaram naquele homem eram olhos que transbordavam com lágrimas de
compaixão. Sentia pessoalmente as desgraças da humanidade. Não tinha
coração duro, mas sentia ternura, e estava cheio de compaixão, por todos
os filhos dos homens que sofriam. Nosso Salvador, portanto,
impulsionava a si mesmo às suas labutas graciosas. Seu amor o
constrangia, ele precisava realizar
as obras para as quais fora enviado a realizar. É coisa certa quando os
deveres do homem e as suas inclinações combinam entre si. Você pode
colocar seu filho como aprendiz de uma profissão que não combina com seu
gosto, e ele nunca se realizará nela; mas quando os deveres dele e seus
próprios desejos percorrerem o mesmo canal, ele terá chances de ser
bemsucedido. Assim era Jesus: enviado por Deus, mas não um embaixador
indisposto, que veio animado e feliz, que não parecia cumprir uma
tarefa, mas sim realizar algo de sua própria e livre e espontânea
vontade, exclama com entusiasmo gracioso: "Eu preciso, eu preciso." Ninguém realiza uma obra verdadeiramente boa e grandiosa antes de sentir essa compulsão. Ninguém prega bem senão aquele que precisa pregar.
O homem enviado por Deus deve ficar debaixo de pressão irresistível, da
mesma forma que o apóstolo que disse: "Quando prego o evangelho, não
posso me orgulhar, pois me é imposta a necessidade de pregar. Ai de mim
se não pregar o evangelho!" (1Co 9.16).
Ou
como o eloquente Elifaz no Livro de Jó, que foi o último a falar, mas o
melhor, e somente falou porque se sentia como um odre se inchando e
precisando de respiradouro. Nosso Salvador veio a ser obreiro tão
grandioso porque, dentro do seu espírito, o desejo foi ateado, pegou
fogo, e soltou chamas até a natureza dele ficar em brasa; ele era como
um vulcão em plena ação que forçosamente precisava derramar seu dilúvio
incandescente, embora, no caso dele, a lava não fosse aquela que
destrói, mas aquela que abençoa e enriquece.
E, ainda, outro aspecto do Salvador como obreiro: ele enxergava claramente que a ocasião era propícia para a obra, que esse período chegaria ao fim. Em
certo sentido, Cristo sempre está trabalhando. Por amor a Sião, ele não
descansa, e por amor a Jerusalém ele não se cala na sua intercessão
diante do trono eterno. Mas, meus irmãos, como homem, aqui na Terra,
pregando, e ensinando, e curando os enfermos, Jesus tinha seu dia, assim
como todo homem o tem, e aquele dia terminou no tempo determinado.
Empregava um provérbio oriental comum, que diz que os homens só podem
trabalhar de dia, e, depois de findo o dia, é tarde demais para
trabalhar. Jesus queria dizer que ele mesmo tinha um período de vida na
Terra, durante o qual teria de trabalhar, e, depois de passado esse
período, já não realizaria mais o tipo de trabalho que então estava
fazendo. Chamava de "dia" seu período de vida para nos demonstrar que
ficava impressionado com a brevidade dela. Com muita frequência,
computamos a vida como questão de anos e até mesmo pensamos nos anos
como se tivessem uma duração extremamente longa, embora cada ano pareça
girar mais rapidamente do que o anterior; e as pessoas que estão ficando
com os cabelos grisalhos podem dizer que, para elas, a vida parece
transcorrer em ritmo muito mais rápido do que nos dias da sua juventude.
Para uma criança, um ano parece ser um espaço breve de tempo; para
Deus, o Eterno, mil anos são como um só dia. Nosso Senhor nos apresenta
aqui um bom exemplo para avaliarmos o nosso tempo a uma taxa bastante
alta, por ser ele de breve duração. É só um dia que você tem, no máximo.
E aquele dia, quão breve ele é! Jovem, você ainda está na sua manhã?
Você acaba de se converter? O orvalho do arrependimento ainda estremece
na folha verde? Você acaba de ver os primeiros raios que provêm das
pálpebras do amanhecer? Você escutou o cântico jubiloso dos pássaros?
Levantese, homem, e sirva ao seu Deus com o amor das suas núpcias! Sirva
a ele com todo o seu coração! Ou será que, a esta altura, você já
conhece o Senhor por tanto tempo que você está no seu meio-dia, e o
fardo e o calor do dia pesam sobre você? Empregue toda a sua diligência,
com a máxima presteza, porque o sol dentro em breve declinará. Faz um
longo tempo que você é cristão? Nesse caso, as sombras se alongam, e o
seu sol está quase se pondo. Seja rápido, homem, e trabalhe com as duas
mãos. Faça todos os esforços possíveis, estique todos os tendões. Faça
tudo, a todo tempo, que a sua engenhosidade consegue projetar, ou que o
seu zelo possa lhe sugerir, pois a noite se aproxima, e nela ninguém
pode trabalhar. Amo pensar no Mestre com aqueles judeus furiosos atrás
dele, que ainda pára porque deve realizar a obra da cura, porque seu dia
não chegou ao fim. Ele está convicto de não poder morrer antes de
acabar o seu dia; para ele, o fim ainda não veio, e se tivesse chegado,
Jesus encerraria a sua vida na realização de ainda mais um ato de
misericórdia; e assim pára a fim de abençoar um miserável, e depois,
segue pelo seu caminho. Sejam velozes para praticarem o bem todo o
tempo. "Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os
abata. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, porque vocês sabem que,
no Senhor, o trabalho de vocês não será inútil" (1Co 15.58). Sabendo
que o tempo é breve, redimam o tempo, pois os dias são maus; mediante a
diligência contínua, comprimam muita coisa em pouco espaço. Glorifiquem
grandemente o seu Deus enquanto continuar ardendo a pequena vela da sua
vida, e Deus aceitará você assim como aceitou o seu Filho.
II. Agora, vou pedir a sua máxima atenção para tentar falar a respeito de NÓS MESMOS COMO OBREIROS SUJEITOS A ELE. Aqui, precisarei repassar boa parte da matéria tratada acima, porque, em primeiro lugar, devo lembrar-lhes que sobre nós pesa uma obrigação pessoal real. Uma obrigação singular, distinta e pessoal. "Eu preciso trabalhar";"Eu", "Eu preciso
realizar as obras daquele que me enviou." Hoje em dia, corremos o risco
de perder a nossa identidade na sociedade e nas associações. Seria
necessário nos esforçamos muito para mantermos a personalidade da nossa
consagração a Jesus Cristo. As histórias da Antiguidade são ricas nos
seus registros de atos de coragem pessoal; não podemos achar que as
guerras modernas exibam muitos atos semelhantes, porque a luta é
realizada tanto por grandes massas quanto pela maquinaria; da mesma
forma, hoje em dia, receio que nosso modo de realizar a obra cristã seja
tão mecânico, tão massificado, que dificilmente existe espaço, nos
casos usuais, para atos pessoais de ousadia e por feitos singulares de
bravura. No entanto, vocês podem tomar nota: o sucesso da igreja se
achará nessa última atitude; trata-se de cada um sentir: "Tenho para
fazer em favor de Cristo algo que um anjo não poderia realizar em meu
lugar, e a força de uma igreja deve estar sujeita a Deus. Deus me
confiou certa obra, a qual, se não for realizada por mim, nunca será
realizada. Certo número de almas entrará no céu através da minha
atuação; nunca entrarão ali de nenhuma outra maneira. Deus entregou ao
seu Filho poder sobre toda a humanidade, para dar a vida eterna a tantos
quantos ele lhe outorgou, e Cristo me concedeu poder sobre alguma parte
da humanidade, e por minha instrumentalidade essas pessoas receberão a
vida eterna, e por nenhum outro meio. Tenho uma obra para fazer, e
preciso realizá-la." Caros irmãos e irmãs, a nossa igreja estará
poderosamente equipada para o serviço quando todos vocês tiverem essa
impressão, quando não mais se tratar de deixar todo o trabalho para o
ministro, nem para os irmãos mais talentosos, nem deixar que tudo seja
feito pelas irmãs mais nobres, mas quando cada um pensar: "Tenho o meu
trabalho e dedicarei toda a minha força a esse trabalho, para fazê-lo em
nome do meu Mestre."
Agora, observem, em segundo lugar, que a obrigação pessoal no texto nos compele a fazer um trabalho do mesmo tipo que Cristo realizou. Já
falamos qual era. Não somos chamados para salvar almas por nossos
méritos, pois ele é o único Salvador, mas somos chamados para iluminar
os filhos dos ho-mens. Isso quer dizer que muitas pessoas não reconhecem
o pecado como pecado. Nossos ensinos e nosso exemplo devem fazer com
que o pecado pareça pecado para eles. O caminho da salvação mediante o
sacrifício vicário de Cristo é totalmente desconhecido para grande parte
da humanidade; e nos cumpre contar, de modo singelo e incessante, a
história da salvação das al-mas. Essa obra deve ser feita mesmo que
deixemos de fazer alguma outra. Alguns homens gastam o tempo gerando
dinheiro, esse é o objetivo principal da vida deles; talvez, tivessem
tido mais utilidade se tivessem passado a vida inteira colecionando
alfinetes ou sementes de cerejas. Quer o homem viva para acumular moedas
de ouro, quer viva para acumular pregos de latão, sua vida será
igualmente abjeta, e acabará na mesma decepção. Adquirir dinheiro, ou
procurar a fama, ou conquistar o poder, fazem parte de um jogo, de meras
diversões ou brincadeiras para crianças; a obra daquele que nos enviou é
coisa muito mais nobre. Se eu conquistar uma alma, é um ganho
permanente; se eu conseguir a aprovação do Senhor, é um tesouro durável;
sou para sempre mais rico se eu transmitir a um só homem um conceito
melhor de Deus, se eu levar a luz celestial a uma alma escurecida, ou
conduzir um só coração errante à paz. Se um só espírito, apressando-se
em direção ao inferno, for através de mim orientado em direção ao céu da
bem-aventurança, eu terei cumprido um trabalho que vale a pena. E precisamos realizar
obras semelhantes, irmãos, mesmo deixando outras coisas sem serem
feitas. Façamos todas as demais coisas neste mundo subservientes a essa
obra que é nossa obra vitalícia. Temos nossas respectivas ocupações na
vida, e é certo que tenhamos nosso emprego, pois quem não quiser
trabalhar, que não coma; mas nossa profissão secular não é a obra da
nossa vida. Temos sublime vocação de Deus em Cristo Jesus, e esta deve
ter a preeminência; sendo pobres ou ricos, saudáveis ou doentes,
honrados ou envergonhados, precisamos glorificar a Deus. Essa é uma
necessidade; todas as demais coisas podem ser, mas esta deve ser.
Resolvemos, e isso com severidade, e determinamos, desesperadamente,
que não desperdiçaremos a nossa vida em objetivos frívolos, mas por nós
que a obra de Deus deve ser feita, e será feita; cada um fará a sua
parte, com a ajuda de Deus. Que o Santo Espírito, eternamente bendito,
nos dê poder e graça para transformar nossas resoluções em ações.
Não nos esqueçamos da verdade que lhes declarei antes, que é a seguinte: é a obra de Deus que estamos conclamados a fazer. Olhemos,
de novo, o texto. "Preciso realizar a obra daquele que me enviou." Não
posso descobrir, no mundo inteiro, maior motivo para a diligência do que
este: que a obra que preciso realizar é obra de Deus. Há o caso de
Sansão - a força que se acha em Sansão não é dele mesmo, é a força de
Deus. Seria este, portanto, um motivo para Sansão ficar deitado inativo,
na ociosidade? Pelo contrário, é o sonido poderoso da trombeta que
inspira entusiasmo no herói para que ele lute pelo povo de Deus. Se a
força de Sansão não é meramente a dos tendões e dos músculos, mas a
força que o Onipotente lhe deu, levante-se, Sansão, e que os filisteus
sejam derrotados! O quê! Você ousa dormir, tendo o Espírito de Deus
sobre você? Levante-se, homem! Se você fosse um israelita comum, ficar
dormindo seria traição contra a pátria, mas quando Deus está em você e
com você, como pode ficar ocioso? Não, exerça o seu poder e derrote os
seus inimigos!
Quando
Paulo estava em Corinto, e Deus operou milagres incomuns pelas mãos
dele, de modo que lenços do seu uso pessoal curassem os enfermos, seria
este um motivo para ele se recolher a um lugar retirado e quieto e nada
fazer? Ao contrário, esses milagres devem ser um argumento poderoso para
Paulo ir de casa em casa, colocar as mãos em todas as pessoas que
estiverem por perto e curar os enfermos. Assim é com você, meu irmão -
você tem o poder de realizar milagres. A proclamação do evangelho,
acompanhada pelo Espírito de Deus, opera milagres morais e espirituais.
Por causa da sua capacidade de operar esses milagres, você deve dizer:
"Deus vai realizar a sua própria obra"? Pelo contrário, homem, mas vá
para a esquerda e para a direita, a todo tempo e em todos os lugares, e
proclame a história que salva almas, e que Deus o favoreça! Justamente
porque Deus opera através de você é que você deve se dedicar ao
trabalho.
Mesmo
um barco pequeno, ao ficar inativo no porto, é uma perda para o seu
dono; mas para um grande transatlântico a vapor, com muitas centenas de
cavalos-vapor, é intolerável que fique desocupado. Quanto maior a
potência disponível, tanto maior deve ser a nossa urgência em
aproveitá-la. O poder de Deus que em nós habita é colocado em ação como
resposta à fé e à oração, e não vamos nos esforçar para obtê-lo? O fato
de ser a obra da igreja a obra de Deus, mais do que a dela, não é motivo
para ela se permitir a preguiça. Se ela possuísse somente as suas
próprias forças, ela poderia esbanjá-las com menos culpa criminosa; mas
estando revestida com a força de Deus, ela não ousa ser retardatária. A
mensagem de Deus para ela nesta manhã é: "Desperte! Desperte, ó Sião!
Vista-se de força. Vista suas roupas de esplendor, ó Jerusalém, cidade
santa" (Is 52.1). Queira Deus que essa mensagem penetre em todo coração,
de modo que cada um entre nós se ponha de pé, pois Deus está no nosso
meio.
Irmãos, notem no texto a nossa obrigação resultante da nossa posição. To-dos
nós, se somos crentes em Cristo, fomos enviados conforme Jesus o foi.
Sintamos a pressão da nossa obrigação sobre nós. O que vocês pensariam
de um anjo que fosse enviado a partir do trono de Deus para levar uma
mensa-gem e que se demorasse pelo caminho ou se recusasse a ir? Era
meia-noite, e veio o recado a Gabriel e seus companheiros nos louvores:
"Vão cantar acima das planícies de Belém, onde os pastores estão
guardando os seus rebanhos. Aqui está a letra do seu cântico: 'Glória a
Deus nas alturas, e paz na terra aos homens aos quais ele concede o seu
favor'" (Lc 2.14). Vocês poderiam imaginar que eles ficariam parados, ou
que poderiam recusar a tarefa? Isso seria impossível, com semelhante
música e com semelhante comissão dada por semelhante Senhor!
Apressaram-se jubilosos pelo caminho. A missão da vocês não é menos
honrosa do que a dos anjos. Vocês são enviados para falar de coisas
boas, que trazem paz e favor aos homens, e glória a Deus. Vocês vão
retardar-se? Vocês poderão continuar mudos? Pelo contrário, conforme o
Senhor os envia, par-tam de imediato, eu peço, vão proclamar com alegria
a história do seu amor. Eu poderia imaginar um anjo ser quase tentado a
se demorar se fosse enviado para executar uma vingança, e para inundar
de sangue os campos, por causa da iniquidade das nações. Não ouso
imaginar que, mesmo nesse caso, o anjo hesitasse, porque aqueles
espíritos santos cumprem sem a mínima questão; mas se a missão for de
misericórdia, o espírito amoroso do anjo saltaria de alegria e seria
vivificado pela doçura da mensagem, bem como pela comissão do seu
Senhor. Nós, também, se formos enviados para um serviço difícil,
seríamos obrigados a ir; mas se formos num serviço tão doce que é a
proclamação do evangelho, como poderíamos nos atrasar? Ora, vocês
achariam difícil contar ao pobre criminoso trancado na masmorra do
desespero que há liberdade, contar ao condenado que há perdão, contar ao
moribundo que há vida num olhar no Crucificado? Vocês chamam isso de
labuta? Não deveria ser, para vocês, o
aspecto mais doce da sua vida terem uma obra tão abençoada como esta
para realizar? Se nesta noite, depois de acabado o dia, você estiver
sozinho no seu quarto e vir de repente uma visão de anjos que lhe falem
com acentos celestiais e o nomeiem para um serviço santo na igreja, você
certamente ficaria impressionado com essa visita. Mas o próprio Jesus
Cristo já veio até você, comprou-o com o seu sangue e o separou para si
mediante a sua redenção. Você já confessou a vinda dele até você, pois
foi batizado na morte dele, e você declarou ser dele; e está menos
impressionado pela vinda de Cristo até você do que ficaria com a visita
de um anjo? Desperte, meus irmãos, a mão do Crucificado tocou vocês, e
ele lhes fala: "Vá neste seu poder." Os olhos que choraram por Jerusalém
olharam nos seus olhos e falaram, com toda ternura: "Meu servo, vá
arrancar os pecadores moribundos, como quem tira tições do fogo, com o
proclamar do meu evangelho." Você vai desobedecer à visão celestial e
desprezar aquele que lhe fala, a partir da sua cruz na Terra e do seu
trono no céu. Por você estar lavado pelo sangue, por ter sido comprado
pelo sangue, entregue-se ainda mais plenamente do que já tem feito ao
serviço deleitoso que seu Redentor lhe aloca. Coloque-se em ação e diga:
"Eu preciso realizar a obra daquele que me enviou enquanto é dia."
Vocês
quase não têm idéia do bem que podem fazer, meus irmãos, se sempre
sentirem devidamente a pesarosa solicitude da parte do Senhor. Comecei a
pensar nisso ao ler uma carta que fez bem ao meu coração. Acho que está
aqui conosco o caro amigo que a escreveu - ele não achará ruim que eu
leia alguns trechos. Ele caíra em pecado muito grande e, embora viesse
sempre a este Tabernáculo e seu coração ficasse comovido em muitas
ocasiões, sua conversão não ocorreu senão quando, certo dia, viajando de
trem para uma cidade, diz ele: "Entrou num compartimento no qual
estavam três dos alunos do Colégio do Tabernáculo. Embora eu não os
conhecesse, introduzi o assunto da temperança. Fiquei sabendo que dois
deles eram abstêmios e o outro, não.
Tivemos
uma conversa agradável e amigável, e um dos abstêmios me perguntou se
eu desfrutava do perdão dos meus pecados e da paz com Deus. Respondi-lhe
que frequentava o Tabernáculo com regularidade, mas que não conseguia
abrir mão de todos os meus pecados. Ele passou a me contar como, no caso
dele, descobrira ser muito desejável ficar em oração e em comunhão com
Deus e que, dessa forma, mantinha-se afastado de muitos pecados
inveterados. Terminei meus assuntos na cidade e estava a caminho de
casa. Estava um pouco desanimado, pois não tinha dinheiro para pagar a
condução de volta, por isso, precisei percorrer a pé todo o caminho.
Ouvi cânticos numa pequena capela; entrei, e fui conduzido a um assento;
era a Capela Batista de H-. Ali estavam presentes os três alunos com os
quais eu viajara no trem algumas poucas horas antes, e para muitos, a
ocasião era de profunda preocupação, pois um dos alunos, que era pastor
deles, estava se despedindo do seu rebanho naquele fim de tarde, e
muitos choravam, inclusive ele que se despedia. Pediu a um dos
estudantes que orasse por mim; assim ele fez, e eu procurava levantar
meu coração inteiro diante de Deus, e, por assim dizer, deixar para fora
todos os meus pecados; mas para mim tinham um peso esmagador.
Finalmente, cri em Jesus, e exerci uma fé singela como nunca conheci
antes. Fiquei bastante contrito e humilde; ali achei o Senhor, ele é
doce à minha alma; Deus, por amor a Cristo, perdoara todos os meus
pecados. Agora sou feliz. Sempre orarei pelos estudantes do Colégio dos
Pastores, e espero que nunca chegue a sentir má vontade ao oferecer
minha pequena contribuição para o sustento do mesmo. Deus seja louvado
por esses estudantes!"
Vocês
percebem, portanto, que uma palavra informal a respeito de Cristo e da
alma receberá o seu galardão. Ouvi, certa vez, falar de um clérigo que
costumava ir à caça e, quando seu bispo o repreendeu, respondeu que
nunca ia à caça enquanto estava de plantão. Mas então o bispo lhe
perguntou: "Quando é que um clérigo está fora de plantão?" Deve sempre
estar ativo nas coisas do seu Pai, pronto para toda e qualquer coisa que
glorificasse a Deus. Sua convicção é que não foi enviado somente para o
domingo, mas sempre enviado; não vocacionado de vez em quando para
praticar o bem, mas, sim, enviado, durante o decurso da sua vida
inteira, para servir a Cristo.
Mas
precisamos terminar. Parece-me que a maior obrigação que pesa sobre
cada um de nós é estarmos servindo a Cristo, e isso por causa da situação desesperada dos ímpios ao nosso redor. Muitos
deles estão morrendo sem Cristo, e sabemos qual terá que ser o fim
deles, um fim que não terá fim, uma desgraça ilimitada. Oh, quais ais o
pecado provoca na Terra! Mas o que é isso em contraste com a desgraça
infinita do mundo do porvir!
Nosso tempo para servirmos ao Senhor na Terra é muito breve. Se,
como habitantes na Terra, quisermos glorificar a Deus, deveremos
fazê-lo agora. Dentro em breve, nós mesmos seremos entregues à
sepultura, ou aqueles aos quais gostaríamos de abençoar poderão ir para
lá antes de nós. Vamos, portanto, nos por em movimento! Ontem, senti
tanto peso em minha mente, a partir da consideração de que nós, como
nação, estamos desfrutando de paz, que é uma bênção inefável - cujo
valor ninguém entre nós chega a avaliar suficientemente. Ora, se não
fizermos, como uma igreja cristã, os esforços mais zelosos para
disseminarmos o evangelho nestes tempos de paz, esta nação também poderá
se envolver profundamente em uma guerra. A guerra é a mais implacável
das maldições, e entre os demais danos por ela provocados, desvia a
mente do povo de todos os pensamentos religiosos.
Agora,
enquanto tivermos paz, e Deus poupar esse país dos horrores da guerra, a
igreja de Deus não deve estar intensamente animada para aproveitar as
suas oportunidades? A noite se aproxima, e não sei quão escura ela
poderá ser. A atmosfera política parece estar pesadamente carregada com
elementos maus. O resultado do conflito presente entre a França e a
Prússia talvez não seja aquele que alguns esperariam, pois poderá, de
novo, esmagar a Europa [continental] debaixo do calcanhar de um déspota.
Agora, enquanto tivermos liberdade - liberdade esta que nossos
antepassados adquiriram ao morrerem na fogueira e selaram com o seu
sangue -, façamos uso dela; enquanto for dia, realizemos as obras de
quem nos enviou, e que cada um adote como lema o versículo imediatamente
depois do nosso texto: "Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo."
Cuide para que a sua luz não seja a treva. Cuide para não escondê-la. Se
for mesmo luz, tome o cuidado de não desprezá-la, porque, por mínima
que ela seja, é aquela que Deus lhe deu, é a quantidade da qual você
conseguirá prestar contas alegres a Deus. Se tiver alguma luz, mesmo que
seja mera centelha, você a tem em favor do mundo: ela lhe é emprestada
em favor dos filhos dos homens. Use-a, use-a agora, e que Deus o ajude
nisso.
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