Sermão pregado na manhã de Domingo
15 de Junho de 1879
no Metropolitan Tabernacle - Newington
O homem que me curou me disse: "Pegue a sua maca e ande" (Jo 5.11).
Farei
umas poucas observações, apenas, a respeito da narrativa propriamente
dita. Era um dia de festa, e Jesus Cristo subiu a Jerusalém, à busca de
oportunidades de fazer o bem entre as multidões dos seus compatriotas.
Vejo a cidade inteira alegre; ouço a voz de regozijo em cada casa ao
realizarem festanças, com comidas gordurosas e bebidas doces. Mas onde
Jesus observa a festa? Como passa o feriado? Anda entre os pobres, aos
quais ele tanto ama. Havia certa Betesda, ou casa de misericórdia,
notável em Jerusalém: era pouco provimento para as muitas enfermidades
na cidade, mas, como estava, era tida em grande estima. Havia um tanque
que, de vez em quando, era agitado pela asa de um anjo, e assim
operava-se uma cura ocasional, e ao redor dele, pessoas caridosas tinham
construído cinco pórticos, e ali nos degraus frios de pedra, vários
cegos, mancos e paralíticos jaziam, cada um no próprio catre miserável,
esperando pela agitação das águas. Ali havia os filhos exaustos da dor,
desmaiando enquanto outros festejavam, contorcidos de dor em meio ao
regozijo geral, suspirando entre os cânticos universais. Nosso Senhor se
sentia à vontade no meio dessa misericórdia, porque ali havia lugar
para seu terno coração e sua mão poderosa. Ele festejava a alma mediante
a prática do bem. Aprendamos essa lição, caros amigos, de que nas
ocasiões das nossas alegrias mais brilhantes devemos nos lembrar dos
tristes, e sentir alegria mais sublime em lhes praticar o bem. É muito
adequado para nós, na mesma proporção em que um dia é alegre para nós
mesmos, torná-lo alegre aos doentes e pobres ao nosso redor. Celebremos a
festa por meio de mandarmos porções a quem nada foi preparado, senão,
os famintos podem provocar uma maldição contra nossa festança. Quando
prosperarmos nos negócios, separemos parte para os pobres. Quando
estivermos cheios de saúde e forças, lembremo-nos dos destituídos de
semelhantes privilégios, e ajudaremos os que a eles ministram.
Bem-aventurados os que, da mesma forma que o Senhor Jesus, visitarem os
doentes e cuidarem deles.
Entrando
no hospital, nosso Senhor notou certo homem cujo caso era muito triste.
Havia muitos casos dolorosos ali, mas selecionou esse homem específico,
e pareceria que a razão para a sua escolha era que a pobre criatura
estava na mais lastimável condição de todas as pessoas ali. Se a
desgraça tem justa reivindicação à misericórdia, quanto pior a condição
do sofredor, tanto mais a misericórdia é atraída a ele. Essa pobre
vítima do reumatismo ou da paralisia tinha ficado amarrado pela
enfermidade durante 38 anos. Esperemos que não tenha havido caso pior em
todos os pórticos de Betesda! Trinta e oito anos é mais da metade do
período determinado para a vida humana. Um só ano de dor ou paralisia
envolve um período esgotante de tortura, mas imaginem vocês 38! Podemos
muito bem sentir dó do homem que agüenta as dores do reumatismo por uma
única hora, mas como poderemos compadecer-nos suficientemente de quem
não ficou livre dele durante quase quarenta anos? Mesmo que o caso não
fosse de dor, mas de paralisia, a incapacidade de trabalhar e a
conseqüente pobreza de tantos anos não era, de modo algum, um dano de
pouca monta. Nosso Senhor, portanto, seleciona o pior caso para tratar
com sua mão curadora, como tipo do que muitas vezes faz no reino da
graça, e, como lição de prudência para nós, nos ensina a oferecer os
primeiros socorros aos que padecem mais necessidade.
O
homem a quem Jesus curou não era uma personagem atraente. "Não volte a
pecar, para que algo pior não lhe aconteça", é declaração conducente à
inferência provável da causa da primeira enfermidade por meio de algum
ato de vício ou de algum excesso. De uma forma ou de outra, era culpado
do que trouxe a seu corpo o sofrimento do qual padecia. Ora,
considera-se, de modo geral, indisputável a questão do dever de ajudar
os merecedores e recusar os indignos - quando um homem atrai sobre si
uma calamidade por meio dos maus feitos, estamos justificados em
deixá-lo sofrer, a fim de que ele colha o que semeou. Essa idéia
farisaica fria é muito bem aceita entre as mentes que se fixam em salvar
as próprias moedas. Ela brota em muitos corações, ou, melhor: em
lugares onde deviam existir corações, e é geralmente considerada uma
regra de prudência, como se fosse pecado disputá-la -- um axioma
infalível e universal. Agora, vou me aventurar a dizer que nosso
Salvador nunca nos ensinou a confinar nossas esmolas aos que as merecem.
Ele nunca teria outorgado a qualquer um entre nós a grande esmola da
graça, se tivesse praticado essa regra; e se você e eu não tivéssemos
recebido das mãos divinas mais do que merecíamos, não estaríamos nesta
casa de oração. Não devemos correr o risco reduzir nossa caridade em um
tipo de justiça mesquinha, e deixar nossa contribuição ficar azeda, como
inquérito judicial em miniatura. Quando alguém sofre, tenhamos
compaixão dele, independentemente da maneira como chegou o sofrimento.
Depois de o homem ter sofrido desgraças em um longo período, como 38
anos, chegou a hora de sua enfermidade ser mais levada em conta que sua
iniqüidade, e que sua tristeza presente seja mais considerada que sua
iniqüidade, e que a tristeza atual seja mais alvo da nossa atenção que
sua tolice anterior. Assim pensava Jesus, e por isso foi até o pecador,
não com repreensão, mas com restauração; olhou mais para a doença dele
que para sua depravação, e lhe ofereceu comiseração em vez de castigo.
Nosso Deus é bondoso para com os ingratos e os maus; sejam, portanto,
misericordiosos, assim como seu Pai também é misericordioso. Lembre-se
que nosso Senhor disse: "Orem por os que os perseguem, para que vocês
venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o
seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos" (Mt
5.44,45). Imitemos ao Senhor nisto, e, sempre que houver dor e tristeza,
que seja nossa alegria aliviá-la.
Além
da suposição de que esse homem tivesse sido, em algum tempo culpado,
parece bastante claro com base no texto que ele era um tipo de pessoa
miserável, desajeitada, desanimada, sem iniciativa, estulta. Jamais
conseguira entrar no tanque, embora outros, tão enfermos quanto ele, o
tivesse feito. Não conseguira conquistar um amigo ou obter um ajudante,
embora, levando-se em conta a extrema duração da sua enfermidade,
pudéssemos imaginar que tivesse achado algum homem para colocá-lo no
tanque quando o anjo lhe desse a remexida mística. O fato de o Salvador
lhe fazer a pergunta "Você quer ser curado?", leva-nos a imaginar que o
homem caíra em uma condição tão apática, desesperadora, profundamente
deprimida, que embora chegasse diariamente à beira do tanque, não só
parou de ter esperança, mas quase de até mesmo querer. Nosso Senhor
tocou na corda com a maior probabilidade de corresponder, a saber: sua
vontade e desejo de ser curado, mas correspondeu de modo muito fraco.
Sua resposta revelou que criatura miserável ele era, pois não houve um
raio de esperança nem de vontade nas suas palavras: trata-se de um uivo,
de um canto fúnebre desesperado, de uma queixa penosa: "Não tenho
ninguém que me ajude a entrar no tanque quando a água é agitada.
Enquanto tento entrar, outro chega antes de mim". Mas a total
imbecilidade e falta de cérebro da infeliz criatura é mais visível em
ele ter ido, como simplório, até os inimigos de Cristo e lhes ter
contado que Jesus o curara. Estou certo de não haver maldade nessa
informação entregue aos inimigos de nosso Senhor, pois se tivesse
havido, diria: "Foi Jesus quem me mandou carregar a maca", mas explicou
assim: que fora Jesus quem o tinha curado (v. 15). Entretanto,
dificilmente ouso esperar (como alguns esperam) que houvesse muita
gratidão nesse testemunho, embora, sem dúvida, a pobre alma se sentisse
agradecida; meu conceito é que as dores suportadas por longo tempo,
afetaram a mente fraca, o levaram ao estado mental quase imbecil, de
modo que falou sem pensar. Nosso Senhor, portanto, não exigiu muito da
parte dele, e sequer pediu da parte dele uma declaração específica de
fé, mas apenas a pequena dose de fé que pudesse ser subentendida na
resposta à pergunta: "Você quer ser curado?". Esse pobre homem não
demonstrou nada da sagacidade do cego de nascença, que respondeu aos
fariseus de modo tão entusiasmado; era de tipo bem diferente, e não
conseguia fazer mais do que declarar a Jesus o próprio caso. Mas, graças
a Deus, até isso bastava para o Senhor operar. O Senhor salva pessoas
de todos os tipos. Ele tem, entre seu discípulos, homens de sagacidade
pronta e rápida, que conseguem desconcertar os oponentes, mas com igual
freqüência
Pega o tolo e o deixa saber
As maravilhas do seu amor ao morrer:
Para humilhar a sabedoria que aspira,
E repreender toda a sua soberba.
Aqui,
portanto, escolheu essa pobre criatura simplória, e operou nela uma
grande maravilha, para o maior louvor da sua graça condescendente.
Notem
bem que a mente desse homem, embora não fosse de grande vulto, estava
inteiramente ocupada e preenchida com o fato de ele ter sido curado.
Para ele, Jesus era "o que me curou". A respeito da pessoa de Jesus,
sabia quase nada, porque só o vira durante um instante, e, na ocasião,
não sabia que se tratava de Jesus: seu único conceito de Jesus era "O
que me curou". Ora, irmãos amados, isso era natural no caso dele, e será
igualmente natural em nosso caso. Mesmo quando os salvos são mais
inteligentes, e de mente mais ampla que esse pobre paralítico, ainda
precisam pensar principalmente a respeito do Filho de Deus em termos de
ser-lhes o Salvador, o que os curou, que os deixou sãos. Sei que
desconheço muita coisa a respeito do Senhor, pelo menos sei que me
salvou. Fiquei sobrecarregado de culpa e cheio de ais, e não podia
descansar de dia ou de noite até que ele me desse paz. Se eu não
conseguir contar a outra pessoa muita coisa a respeito da glória da sua
pessoa, dos seus atributos, dos seus relacionamentos, dos seus ofícios,
ou da sua obra, posso dizer, mesmo assim: "uma coisa eu sei: embora eu
fosse cego nos meus erros, agora vejo; embora eu estivesse paralisado
pelo pecado, agora posso ficar reto em pé e andar nos seus caminhos".
Essa pobre alma passou a conhecer o Senhor experimentalmente, e essa é a
melhor maneira. O próprio contato com ele produz conhecimentos mais
seguros, e mais verdadeiros, que toda a leitura no mundo. No reino de
Cristo, transpiram fatos maravilhosos, como a conversão e o encontro da
paz com Deus; e felizes são os que têm esses fatos como experiências
pessoais. Quando os homens são tirados do erro dos seus caminhos, e
quando o coração deles acha descanso e paz em Cristo, grandes coisas são
realizadas pelo Senhor Jesus; e se você conhecer essas duas coisas,
embora seja ignorante de grande quantidade de outras coisas, não tenha
medo de exagerar sua importância, mas fixe nelas seu coração, e chame
Jesus por aquele nome -- "O que me curou". Pense nele nesse aspecto, e
você terá um conceito muito valioso e influente dele. Você verá maiores
coisas do que estas, mas, por enquanto, deixe esses fatos felizes e
seguros ficar muito na sua mente, como esse homem ocupava a mente.
Quanto
aos fariseus que levantavam objeções, observem que não tomaram
conhecimento do fato glorioso da cura do homem; deliberadamente
desconsideraram o que Cristo fizera, mas caíram, como o mergulho fatal
do gavião, naquela pequena circunstância insignificante de que tinha
sido feito no sábado, e, daí, dedicaram todos os pensamentos e emoções
na questiúncula externa. Nada dizem a respeito de o homem ter sido
restaurado, mas ficam enfurecidos porque carregava o catre no sábado.
Assim acontece de modo bem semelhante com os homens do mundo de hoje.
Habitualmente desconsideram o fato da conversão; quando não a negam,
consideram-na mera bagatela, uma questão que não merece atenção. Mesmo
quando vêem a meretriz tornada casta, e o ladrão ser tornado honesto, e o
profano tornado devoto, e o desesperado tornado alegre, e outras
transformações morais e espirituais do máximo valor prático, esquecem-se
de tudo isso, e atacam algum pormenor específico de doutrina, ou modo
de falar, e levantam uma tempestade no tocante a estes. Será que os
próprios fatos, se fossem examinados imparcialmente, confirmariam o que
eles não desejam crer? Eles se esquecem do fato de que o cristianismo
realiza maravilhas no mundo, maiores que qualquer coisa que os críticos
tenham feito, mas desse fato você e eu devemos nos lembrar com igual
persistência. Devemos falar muito do que Cristo, pelo Espírito Santo,
tem feito na nossa natureza ao nos renovar no espírito da nossa mente, e
devemos fazer dessa obra da graça uma fonte de argumentos que
estabelecerão nossa fé e justificarão nossa conduta. Esse pobre homem
fez assim. Não sabia muitas outras coisas, mas sabia de sua cura, e
desse fato justificava-se em tudo o que tinha feito. "O homem que me
curou me disse: 'Pegue a sua maca e ande' ".
Essa
é a verdade a respeito da qual quero falar mais pormenorizadamente
nesta manhã - primeiro, ao dizer que a obra de Cristo nos fornece a
justificativa para a obediência ao mandamento: "O homem que me curou me
disse...". Essa é nossa justificação total para a obra realizada. Em
segundo lugar, a obra de Jesus Cristo lança sobre nós a obrigação de
fazer tudo o que ele nos manda -- se o homem que me curou me manda pegar
a maca e andar, estou obrigado a fazê-lo, e devo sentir a obrigação da
sua bondade me pressionando; e, em terceiro lugar, não é somente
justificativa e obrigação, mas também esse ato da graça nos constrange à
obediência -- o homem que me disse "levante-se" e assim me curou, pela
mesma palavra do poder me fez pegar a minha caminha e andar. O mesmo
poder que nos salva, também nos leva a obedecer ao Salvador. Não é com
as nossas forças que cumprimos a vontade do Senhor, mas com o poder que
ele nos dá no mesmo momento. Vocês percebem, portanto, o rumo que nosso
argumento vai seguir. Que o Espírito Santo nos leve ao poder dessa
verdade, pois estou convencido de que o senso da obra do Senhor em nós é
uma grande força, e deve ser exercida e aplicada aos fins mais
sublimes.
I. Primeiro,
então, essa é a nossa justificação por fazermos o que fazemos quando
obedecemos a Cristo. Esse pobre homem não sabia defender a ação de pegar
a maca e andar, pois seus inimigos eram eruditos na lei, e ele, não.
Você e eu poderíamos facilmente defendê-la, pois nos parece algo
factível nessas circunstâncias. O peso da cama não era muito mais do que
o de um sobretudo comum, pois não passava de um simples cobertor grosso
de lã, ou uma esteira, onde se deitava; realmente não houve violação da
lei de Deus quanto ao sábado, e por isso, nada havia para ser
desculpado. Mas os rabinos determinavam regras, das quais lhes
oferecerei um único exemplo: "É ilícito levar um lenço solto no bolso";
mas se você o prender com alfinete para o lado de fora do seu bolso, ou o
amarrar na cintura como cinto, pode levá-lo em qualquer lugar, porque
se torna parte das roupas. Para minha mente pouco sofisticada, pareceria
que o alfinete aumentaria o fardo, e que então haveria o peso do
alfinete como algo mais do que necessário! Segundo as estimativas
rabínicas, a questão era de muito peso.
Os
regulamentos rabínicos no tocante ao sábado eram totalmente risíveis,
na maioria, mas esse pobre homem não tinha condições de dizer assim, e
sequer pensar assim, pois sentia, como seus compatriotas, reverente
temor pelos escribas e mestres da lei. Esses fariseus e sacerdotes eram
por demais reverenciados para esse pobre homem lhes responder à altura;
mas ele fez o que você e eu sempre devemos fazer quando nos sentimos um
pouco perplexos: escondeu-se atrás do Senhor Jesus, e se defendeu assim:
"O homem que me curou me disse: 'Pegue a sua maca e ande' ". Aquilo lhe
bastava totalmente, e o citou convicto de que devesse bastar para os
interrogadores. E realmente, deveria ter sido assim. Eu, talvez, não
possa achar dentro dos meus próprios conhecimentos e capacidade uma
autoridade igual à autoridade dos descrentes eruditos, mas minha
experiência pessoal do poder da graça me será tão proveitosa quanto a
cura do homem era para ele. Raciocinava que devesse haver, no homem que o
curou, autoridade suficiente para se comparar com o maior rabino que já
existira. Até a mente pobre e fraca desse homem conseguia captar esse
fato, e certamente você e eu podemos fazer o mesmo com a defesa da obra
graciosa do nosso Salvador, e da autoridade que conseqüentemente lhe
pertence.
Existem
determinadas ordenanças às quais o homem cristão é obrigado a atender, a
respeito das quais o mundo levanta uma tempestade de questões. O mundo
repara que esse homem antes era beberrão, e que agora, mediante a graça
divina, se tornou sóbrio, e assim veio a ser bom pai, bom marido e bom
cidadão. Deixam passar o milagre sem prestar atenção, mas ele será
batizado, e imediatamente levantam objeções contra a ordenança, ou ele
se tornará membro de uma igreja cristã, e imediatamente zombam dele por
ser presbiteriano ou metodista; mas não importa o tipo de nome que lhe
aplicam, conquanto seja um homem melhor que eles mesmos, sendo redimido
do pecado, e ensinado a ser reto, casto e puro aos olhos de Deus. A obra
da graça vale nada para eles, mas só a peculiaridade da seita, ou a
peculiaridade do rito religioso é considerada de valor equivalente ao
mundo inteiro. São criaturas cegas que desprezam o remédio que cura, por
causa da garrafa que o contém, ou por causa da etiqueta que lhe dá um
nome. Entretanto, nossa resposta é: "O homem que nos curou", ele nos deu
uma ordem, e a cumpriremos fielmente. Não buscamos outra justificativa
senão esta: quem operou em nós o milagre da graça nos mandou fazer
assim.
Quanto
a eu ser batizado como crente, o mesmo Jesus que disse: "Creia" também
disse: "Seja batizado"; quem me deu a salvação foi o mesmo que disse:
"Quem crer e for batizado, será salvo". Colocamos a autoridade divina de
Jesus contra todas as objeções. Aquele por cujo sangue somos
purificados, e por cujo Espírito somos renovados, é Senhor e legislador
para nós. Seu preceito é autorização suficiente. Se vamos à mesa da
santa ceia e os que injuriam dizem: "Para que serve comer um pedaço de
pão e beber uma gota de vinho? Por que considerar com tanta seriedade
uma questão tão pequena?". Abjuramos o que ele não ordenou, mas nos
apegamos a seus estatutos. Se ele tivesse ordenado um rito mais trivial,
ou uma cerimônia mais aberta à objeção dos olhos do homem carnal, não
ofereceríamos outra defesa senão esta: Jesus, que nos criou de novo, e
nos deu a esperança do céu, e nos levou a buscar a perfeita santidade,
mandou-nos fazer isso. Essa é nossa resposta final, e embora pudéssemos
achar outras justificativas, seriam supérfluas. Seja esta nossa defesa
-- o Salvador ordena.
A
mesma defesa se aplica a todas as doutrinas do evangelho. Digo de novo:
os ímpios não admitem ou, caso admitissem, desconsideram, que o
evangelho opera uma mudança maravilhosa no coração humano. Se quiserem
comprovação, poderemos levantar casos às centenas e aos milhares, do
poder do evangelho de Jesus Cristo para recuperar, enaltecer e
purificar. O evangelho opera diariamente milagres espirituais, mas os
ímpios se esquecem disso, e passam a pôr defeito nas doutrinas
peculiares. Muitas vezes brigam com a doutrina da justificação pela fé.
Dizem: "Pois bem, essa é uma doutrina chocante: se vocês ensinarem a
pessoas que devem ser salvas pela fé somente, e não pelas obras,
naturalmente viverão de modo imoral; se declararem continuamente que a
salvação é só pela graça, e não segundo o mérito, o resultado inevitável
será que as pessoas pecarão a fim de que a graça sobeje". Achamos uma
resposta completa a essa calúnia no fato de quem crer na justificação
pela fé e nas doutrinas da graça estão entre os melhores e mais puros
homens, e que, na realidade, essas verdades operam a santidade; mas não
nos importamos em argumentar assim; preferimos lembrar aos adversários
que o mesmo Jesus que nos transformou em regenerados ensinou-nos: quem
nele crer será salvo, expressamente declarando: quem nele crê tem a vida
eterna. Pela boca de Paulo, ele disse que pela graça os homens são
salvos, por meio da fé, e isto não procede deles mesmos, é dádiva de
Deus. Ele também nos disse que pelas obras da lei ninguém será
justificado, e nos mandou declarar: "os justos viverão pela fé". Ele,
que diariamente, mediante o evangelho, faz os homens se voltarem do
pecado para a santidade, apresentou o seguinte por soma total do
evangelho que devemos pregar: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos
vocês, confins da terra" (Is 45.22). Se esse evangelho não melhora as
pessoas, nem transforma sua natureza maligna, podem questioná-lo, se
quiserem, e não estranharíamos que vocês assim fizessem; mas enquanto
ele for a obra de purificação, não enrubesceremos nem gaguejaremos
quando declaramos as doutrinas, sua essência e vida. Nossa regeneração
nos comprova a autoridade do Senhor, e nela estamos dispostos a basear
nosso credo. Para nós, a melhor evidência é sua obra em nós, e nessa
evidência colocamos fé implícita.
O
mesmo se aplica também a todos os preceitos que o cristão é conclamado a
obedecer. Por exemplo, se for leal à sua profissão de fé, manterá
distância de todos os prazeres, práticas e políticas pecaminosas do
mundo, nos quais os outros se deleitam, e conseqüentemente o mundo ímpio
diz que ele é excêntrico, rigoroso, e presunçoso. Essa é a resposta
para todos os cristãos: "Quem nos criou, disse-nos: vocês não são do
mundo, como eu não sou do mundo. Saiam do meio deles e separem-se. Não
toquem em coisas impuras, e eu os receberei". Se vocês seguirem os
preceitos do Senhor Jesus Cristo poderão refutar todas as acusações de
excentricidade pela defesa da supremacia do Salvador, cujo poder fez de
vocês novas criaturas. Onde estiver sua palavra, ali está um poder
diante do qual nos curvamos de imediato. Não cabe a nós questionar o
Salvador, mas obedecer. Somos purificados por seu sangue, redimidos por
sua morte, e vivemos por sua vida; por isso não sentimos vergonha de
tomar sua cruz e segui-lo.
Essa
defesa deve bastar até para quem se opõe a nós, pois se eles se
sentissem tão gratos quanto nós, também obedeceriam. Deveriam dizer, no
mínimo: "Não podemos culpar esses homens por fazerem o que Jesus lhes
manda, pois ele fez tanta coisa por eles". Decerto, o pobre homem
paralisado durante 38 anos não podia ser criticado por obedecer à ordem
de quem, em um só momento, o restaurou à saúde e às forças. Se passasse a
ser servo vitalício de Jesus, quem o censuraria? Quem diria que ele se
submetera tão facilmente? Semelhante benfeitor não deveria exercer sobre
ele uma influência ilimitada? O que poderia ser mais natural e
adequado? Ora, vocês inconversos precisam nos desculpar se nós, em
obediência ao Senhor Jesus, fazemos muitas coisas que lhes parecem
excêntricas, pois, embora não quiséssemos ofendê-los desnecessariamente,
não podemos agradá-los a ponto de corrermos o risco de desagradar nosso
Senhor. Não devemos tanto a vocês quanto devemos a ele. Não devemos
tanto ao mundo inteiro quanto devemos ao Senhor Jesus; realmente, na
pura verdade, não nos achamos devedores de coisa alguma ao mundo. Os
tempos passados já nos bastaram para o cumprimento da vontade dos
gentios, pois quando nos é postulada a pergunta: "Que fruto colheram
então dos quais agora vocês se envergonham?" (Rm 6.21), precisamos
confessar que não colhemos fruto, a não ser uvas verdes que embotaram
nossos dentes. Como os marinheiros que se puseram em alto mar de modo
contrário aos conselhos de Paulo, a única coisa que conseguimos são
perdas e danos. Ao servirmos ao mundo, achamos esgotante a labuta, e
descobrimos que o salário era a morte; mas quanto ao Senhor Jesus
Cristo, nós lhe devemos tudo, e assim vocês precisam nos desculpar se o
seguirmos em tudo. Parece-nos que este é um pedido de desculpas que
devem aceitar da nossa parte, como totalmente abrangente, mas se o
recusarem, não ficaremos desiludidos, pois é suficiente para nós; sim,
mais do que suficiente, pois nos faz gloriar-nos em tudo o que fazemos.
Jesus ordenou? Então a nós nos cumpre obedecer.
Os
que levantam objeções podem dizer a respeito de alguma das suas
ordenanças, que é imprópria para o clima, indecente, desnecessária etc.
Tudo isso não nos preocupa, se Jesus nos mandou fazê-lo, sua ordem
substitui, para nós, debates e raciocínios. Quem nos curou, deu
suficiente razão para a obediência, no próprio fato da cura. "Oh, isso
contraria o que os pais ensinam, e o que a igreja ensina". Não nos vale o
estalar dos dedos todos dos pais da igreja e todas as igrejas debaixo
do céu, se contrariam o que nosso Senhor ensina, pois eles não nos
curaram, e não lhes devemos obrigações do modo que as devemos a Jesus. A
autoridade de Jesus é suprema, porque é dos lábios dele que recebemos a
palavra que curou a enfermidade do nosso pecado. Assim fica satisfeita a
nossa consciência agora, e ficará satisfeita no meio da grave situação
da morte. Como poderíamos cometer enganos, se seguirmos as palavras de
Jesus em todas as coisas? Meus irmãos, nós poderemos pleitear os
preceitos dele como justificativa no último grande dia, diante do Juiz
de vivos e mortos. Que melhor defesa poderemos ter do que esta: "Tu nos
curaste e nos mandaste fazer isso?". Semelhante justificativa da nossa
conduta tornará macio o travesseiro da morte, e brilhante de alegria
nossa ressurreição.
Em
vez de admitirmos que essa não é uma justificativa abrangente,
coloquemos a mesma em prática. Se o mundo nos considerou vis por
obedecermos ao Senhor, sejamos mais vis ainda; e visto que quem nos
curou disse: "Vão para o mundo todo e preguem o evangelho a todas as
pessoas", esforcemo-nos por disseminar em todos os lugares o perfume do
seu nome, consagrando-nos, de corpo, alma e espírito, à extensão do seu
reino. Quem nos curou, ainda curará o mundo inteiro por seu poder
maravilhoso. Não temos demonstrado, de modo abundante, que a ordem do
Senhor é a justificativa sólida da nossa conduta?
II. E agora, em segundo lugar, a cura levou a uma obrigação:
"O homem que me curou me disse: 'Pegue a sua maca e ande' ". O
argumento toma a seguinte forma: primeiro, se ele me curou assim, é
divino; de outra forma não poderia ter realizado esse milagre; ou, no
mínimo, deve ser divinamente autorizado; e se é divino, ou divinamente
autorizado, devo obedecer às ordens por ele emitidas. Esse não é um
argumento claro que até mesmo a mente pobre e simples do paralítico
podia captar e usar? Procuremos sentir pessoalmente a força desse
argumento. Jesus, que nos salvou, é nosso Deus; não vamos obedecer a
ele? Visto que ele está revestido de poder e majestade divinos, não
vamos nos esforçar escrupulosamente para saber sua vontade, e
zelosamente nos esforçar para cumpri-la em todos os aspectos, como seu
Espírito nos capacitar?
Além
do caráter divino que o milagre comprovou e demonstrou, havia a bondade
brilhante no ato do poder, que tocou no coração do pobre homem. Seu
argumento era: "Preciso fazer o que meu grande Libertador me manda. Como
podem pensar de outra forma? Não foi ele quem me curou? Vocês queriam
que eu, a quem ele assim restaurou graciosamente, me recusasse a cumprir
a vontade dele? Não devo pegar minha maca no momento em que ele me dá
forças para fazê-lo? Como poderia fazer de outra forma? Seria essa a
recompensa que pago a meu bom Médico: recusar-me a fazer o que ele me
pede? Não percebem que tenho uma obrigação, e não cumpri-la seria
vergonhoso? Ele restaurou estes membros, e obrigo-me a fazer com eles o
que ele me ordenar. Ele diz: "ande", e visto que esses pés, antes
mirrados, foram restaurados, não vou andar? Ele me manda enrolar a
esteira e, eu sequer poderia usar minhas mãos antes do momento no qual
sua palavra lhes deu vida, não vou usá-las para enrolar o cobertor no
qual me deito, segundo o pedido dele? Esses meus pobres ombros estavam
encurvados com a fraqueza, mas ele me mandou ficar em pé, e visto que
ele agora me manda carregar minha cama, não vou jogar o colchão nos meus
ombros de suportar o fardo leve que ele coloca sobre mim?". Não existe
resposta a semelhante raciocínio. Independentemente da exigência de
Jesus sobre outras pessoas, ele claramente tinha o direito indisputável à
obediência de quem tornara totalmente são.
Sigam
meu argumento, irmãos e irmãs. Se vocês foram salvos pela graça de
Deus, a salvação os obriga a fazer, doravante, o que Jesus lhes ordena.
Vocês são redimidos? Então, não pertencem a si mesmos, foram comprados
por um preço. Como conseqüência do que o Senhor lhes fez, foram
resgatados da escravidão a Satanás e adotados na família divina?
Segue-se, portanto, claramente, porque são filhos, obediência à lei da
família; não é este, pois, um primeiro fruto da filiação, que vocês
devem reverenciar o grande Pai da família? O Senhor teve o beneplácito
de remover seu pecado, e você está perdoado: mas o perdão não exige
melhora? Voltaremos aos antigos pecados dos quais fomos purificados?
Viveremos nas iniqüidades das quais fomos lavados pelo sangue de nosso
Senhor Jesus? Seria horrível até pensar nisso. Seria diabólico um homem
dizer: "Fui perdoado, e por isso pecarei de novo". Não há remissão sem
arrependimento. A culpa do pecado permanece no homem em quem o amor ao
pecado persiste. Sintamos, de modo prático, o impacto desse fato, e
sigamos a pureza e a justiça a partir de agora.
Irmãos
e irmãs nos quais Cristo realizou sua grande obra, vocês experimentaram
o amor de Deus e, portanto, se Deus assim os amou, estão obrigados a
amá-lo por sua vez. Se Deus assim os amou, devem também amar o próximo.
Não é verdade que o amor a Deus e o amor ao próximo brotam como
conseqüência segura do amor a Deus derramado no seu coração? Não
percebem a necessidade de que este tipo de amor siga aquele? Mas o amor é
a mãe da obediência: assim, tudo o que envolve nosso Senhor nos deixa
obrigados a obedecer-lhe. Não existe uma única bênção da aliança que
deixe de envolver o dever correspondente; neste caso não gosto de dizer
dever, pois essas bênçãos da aliança fazem do dever nosso privilégio, e
da santidade, nosso deleite. Doravante, tendo sido redimidos do pecado,
não desejaremos mais viver nele; sendo feitos herdeiros do céu,
esforcemo-nos para viver a vida celeste, de modo que enquanto estivermos
aqui embaixo, nossa cidadania esteja no céu, de onde esperamos
ansiosamente o Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Irmãos, quem os curou
ordenou que façam isto ou aquilo; aconselho-os a cumprir o mandamento do
Rei. Como Maria disse aos atendentes no casamento em Caná, assim lhes
digo: "Façam tudo o que ele lhes mandar". Ele manda orar, então orem sem
cessar. Ele manda vigiar, além de orar; então vigiem cada ato,
pensamento e palavra. Ele manda amar os irmãos? Então, amem-nos
fervorosamente, de coração puro. Ele manda servi-los e humilhar-se por
amor a ele? Então, façam assim, e se tornem servos de todos. Ele disse:
"Sejam santos, pois eu sou santo?". Então, tenham isso por alvo,
mediante o Espírito Santo. Ele disse: "Sejam perfeitos, como perfeito é o
Pai celestial de vocês" (Mt 5.48). Esforcem-se, portanto, a favor da
perfeição, porque quem curou vocês tem o direito de lhes dirigir o
caminho, e para vocês será algo seguro e feliz adaptar-se aos seus
mandamentos.
III.
Quanto a isso, porém, já foi dito o bastante; pois agora, chamamos sua
atenção, em terceiro lugar, ao texto, no sentido do constrangimento --
"O homem que me curou me disse: 'Pegue a sua maca e ande' ". Ele o curou
ao dizer: "Levante-se, pegue a sua maca". Carregar a maca fazia parte
da cura. A primeira parte da palavra da cura foi "Levante-se", mas a
segunda foi "pegue a sua maca". Ora, não foi uma palavra que Jesus falou
àquele homem -- mera palavra de conselho, advertência, ou ordem; mas
foi uma palavra cheia de poder, como a que das trevas criou a luz.
Quando o Senhor disse ao pobre homem: "levante-se", este realmente se
levantou. Um arrepio de emoção passou por ele; os vasos sangüíneos
estagnados sentiam o sangue vital mexer-se e fluir, os nervos
adormecidos foram despertados para ter sensações de saúde, tendões e
músculos se prontificaram para a ação enérgica, pois a onipotência
visitara o homem impotente, e o restaurou. Oh, deve ter sido uma alegria
maravilhosa para aquele corpo, longamente debilitado, sem nervos, sem
potência, passar a fazer movimentos saudáveis, ser capaz de levar com
alegria um fardo. O homem feliz enrolou a cama, colocou-a nas costas, e
foi marchando para fora tão bem como qualquer outro. Carregar a maca
fazia parte da cura, e servia de comprovação da cura. O paralítico não
fora convidado para deliberar se devia colocar-se em pé ou não, mas
Jesus disse: "Levante-se", e ele ficou em pé, ereto; a mesma palavra
disse: "Pegue a sua maca", e a maca foi imediatamente levantada e, de
conformidade com a última palavra: "Ande", o homem andou alegremente.
Tudo
isso foi feito pelo poder de uma única palavra emocionante, que não
ficou aguardando questionamento, mas cumprimento do propósito para a
qual o Senhor a enviara. O homem restaurado carregou a maca de boa
vontade, mas mesmo assim, foi constrangido a fazê-lo, pois o mesmo poder
que o curara o tornou obediente. Antes de a energia divina ter tocado
nele, ele sequer parecia ter a mínima vontade, e o Senhor fez uma busca
para achar nele uma vontade, ao perguntar: "Você quer ser curado?". Mas
agora, ele possui muita boa vontade para obedecer ao benfeitor, e, na
força da ordem dada pelo Senhor, cumpre o que este mandou. Digo que o
ato de pegar a maca e andar, foi feito pela capacitação de Cristo, feito
mediante o constrangimento por Cristo, e oro para que vocês saibam
experimentalmente o que isso significa. Quero que vocês sintam isso:
"Não posso deixar de obedecer a Cristo, porque pelo seu Espírito Santo
ele me colocou, mediante sua palavra, em uma vida que nunca morrerá e
que nunca será vencida. Ele falou uma palavra que tem força contínua
sobre mim, e me emociona continua e inteiramente. Não posso deixar de
ajudar e obedecer a Cristo do mesmo modo que esse homem não podia deixar
de carregar a maca depois de o Senhor, mediante a palavra de poder,
ter-lhe ordenado fazer assim".
Irmãos,
olhem para isso, e sejam instruídos e advertidos. Vocês se sentem
relutantes, nesta manhã, para entrar no serviço do seu Senhor, por causa
da fraqueza consciente? O Diabo tentou-os a recuar da obediência, pela
falta de preparo? Vocês hesitam? Tremem? Certamente precisam se
aproximar do Senhor de novo, e ouvir outra vez sua voz. Peguem a Bíblia,
e deixem-no falar-lhes de novo da sua palavra, e que a mesma emoção que
despertou vocês do sono mortal os tire da letargia presente. É
necessário que a palavra viva de Deus seja aplicada de novo ao mais
interior da sua alma com o mesmo poder milagroso que habitava nela no
começo. "Senhor, vivifica-me", é a oração de Davi, mas ela é adequada
para mim todos os dias, e acho que a maioria do povo de Deus faria bem
em usá-la diariamente. "Senhor, traga vida para dentro de mim agora,
como fizeste no começo. Incuta poder, força espiritual em mim". "O amor
de Cristo nos constrange", diz o apóstolo: esse constrangimento é o que
devemos sentir cada vez mais. Precisamos perpetuamente da vida divina a
fim de nos levar adiante a ações de obediência. Não desejamos destruir a
espontaneidade, mas gostaríamos que ela fosse vivificada até ser
totalmente obediente à vontade do Senhor.
Como
a arca de Noé na terra seca, a vontade mantém seu lugar pelo próprio
peso morto; quem dera que houvesse um dilúvio de graça para a
movimentar, para levantá-la, para a sustentar; para levá-la embora por
uma correnteza poderosa. Seríamos levados adiante pelo amor de Cristo
como um pedacinho de madeira é levado pela corrente do golfo, ou como
uma das partículas que dançam ao raio solar seria arrebatada pelo vento
impetuoso. Como o impulso que partiu de Jesus achou o pobre homem
passivo por estar totalmente incapaz de agir, e depois o impeliu adiante
aos movimentos ativos com uma arrancada de poder, assim seja sempre
conosco no decurso da vida inteira. Que sempre nos rendamos ao impulso
divino! Estar passivo nas mãos do Senhor é um desejo bom, mas ser o que
eu chamaria de submissão ativa de boa vontade, bem disposto a abrir mão
do nosso desejo, essa é uma atitude espiritual mais sublime. Devemos
viver, porém não nós, mas Cristo em nós. Devemos agir, e ao mesmo tempo,
devemos dizer: Quem me curou mandou-me fazer essa ação virtuosa, e eu a
faço porque o seu poder me instiga a isso. Quando pratico o bem, coloco
a seus pés as honrarias; se espero praticar o bem no futuro, é porque
tenho esperança de praticar o bem no futuro, por acreditar que ele
operará em mim mediante o mesmo poder que me converteu no princípio.
Amados, esforcem-se para permanecer sob essa influência. Que o Espírito
Santo os leve até essa condição!
Minha
última palavra é uma lição. A igreja de Deus na terra, no tempo
presente, deseja estender sua influência sobre o mundo inteiro. Por amor
a Cristo, queremos o reconhecimento das verdades que pregamos, e a
obediência aos preceitos que transmitimos. Mas notemos que nenhuma
igreja chegará a ter poder sobre as massas deste país ou de qualquer
outro, a não ser à medida que ela lhes praticar o bem. Já passou há
longo tempo o dia em que qualquer igreja pense em prevalecer usando do
argumento baseado na História. "Olhem para o que éramos", é um apelo
vão: os homens se importam somente com o que somos. A seita que se
glorifica com ou lauréis murchos dos séculos passados, e se acomoda na
inatividade hoje, está chegando perto do fim inglório. No concurso para
ver quem é mais útil, os homens se importam hoje menos a respeito do
pedigree do cavalo, e mais com sua velocidade ao correr. A história de
uma congregação ou de uma seita é de pouca monta em contrapartida com o
bem prático realizado. Ora, se qualquer igreja debaixo do céu puder
demonstrar que torna os homens honestos, temperados, puros, morais,
santos, que procura os incultos e os instrui, que procura os caídos e os
recupera, que transforma os ermos morais, e cuida das ervas más e dos
espinheiros campestres, transformando-os em preciosas árvores
frutíferas, então, o mundo estará disposto a escutar suas alegações e
considerá-los. Se a igreja não pode comprovar sua utilidade, terá
desaparecido a fonte da sua força moral, e, na realidade, algo pior que
isso terá acontecido, pois sua força espiritual desapareceu; pois a
igreja estéril fica manifestamente desprovida do fruto do Espírito de
Deus.
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