“Olharão para aquele a quem traspassaram” (Zacarias 12.10).
O
quebrantamento santo que faz um homem lamentar o seu pecado surge de
uma operação divina. O homem caído não pode renovar seu próprio coração.
O diamante pode mudar seu próprio estado para tornar-se maleável, ou o
granito amolecer a si mesmo, transformando-se em argila? Somente aquele
que estendeu os céus e lançou os fundamentos da terra pode formar e
reformar o espírito do homem. O poder de fazer que da rocha de nossa
natureza fluam rios de arrependimento não está na própria rocha. O poder
jaz no onipotente Espírito de Deus... Quando Deus lida com a mente do
homem, por meio de suas operações secretas e misteriosas, Ele a enche
com uma nova vida, percepção e emoção. “Deus... me fez desmaiar o
coração” (Jó 23.16), disse Jó. E, no melhor sentido, isso é verdade. O
Espírito Santo nos torna maleáveis e nos tornamos receptíveis às suas
impressões sagradas... Agora, quero abordar o âmago e a essência de
nosso assunto.
O
enternecimento do coração e o lamento pelo pecado são produzidos por
olharmos, pela fé, para o Filho de Deus traspassado. A verdadeira
tristeza pelo pecado não acontece sem o Espírito de Deus. Mas o Espírito
de Deus não realiza essa tristeza sem levar-nos a olhar para Jesus
crucificado. Não há verdadeiro lamento pelo pecado enquanto não vemos a
Cristo... Ó alma, quando você chega a contemplar Aquele para quem todos
deveriam olhar, Aquele que foi traspassado, então seus olhos começam a
lamentar aquilo pelo que todos deveriam chorar — o pecado que imolou o
seu Salvador!Não há arrependimento salvífico sem a contemplação da
cruz... O arrependimento evangélico é o único arrependimento aceitável. E
a essência desse arrependimento é olhar para Aquele que foi moído pelos
pecados... Observe isto: quando o Espírito Santo realmente opera, Ele
leva a alma a olhar para Cristo. Nunca uma pessoa recebeu o Espírito de
Deus para a salvação, sem que tenha recebido dEle o olhar para Cristo e o
lamentar por seus pecados.
A
fé e o arrependimento são gerados e prosperam juntos. Ninguém deve
separar o que Deus uniu! Ninguém pode arrepender-se do pecado sem crer
em Jesus, nem crer em Jesus sem arrepender-se do pecado. Olhe, então,
com amor para Aquele que derramou seu sangue, na cruz, por você. Por
meio desse olhar, você obterá perdão e quebrantamento. Quão admirável é o
fato de que todos os nossos males podem ser curados por um único
remédio: “Olhai para mim e sede salvos, vós, todos os limites da terra”
(Is 45.22). Contudo, ninguém olhará para Cristo sem que o Espírito de
Deus o incline a fazer isso. Ele não conduz uma pessoa à salvação, se
ela não se rende às suas influências e não volve seu olhar para Jesus...
O
olhar que nos abençoa, produzindo quebrantamento de coração, é o olhar
para Jesus como Aquele que foi traspassado. Quero me demorar nisso por
um momento. Não é somente o olhar para Jesus como Deus que afeta o
coração, mas também olhar para este mesmo Senhor e Deus como Aquele que
foi crucificado por nós. Vemos o Senhor traspassado, e, em seguida,
inicia-se o traspassamento de nosso coração. Quando o Espírito Santo nos
revela Jesus, os nossos pecados também começam a ser expostos...
Venham,
almas queridas, vamos juntos à cruz, por um pouco, e notemos quem era
Aquele que recebeu a lançada do soldado romano. Olhe para o seu lado e
observe aquela terrível ferida que atingiu seu coração e desencadeou um
duplo fluxo de sangue. O centurião disse: “Verdadeiramente este era
Filho de Deus” (Mt 27.54). Aquele que, por natureza, é Deus e governa
sobre tudo, sem o Qual “nada do que foi feito se fez” (Jo 1.3), tomou
sobre Si mesmo nossa natureza e se tornou homem, como nós, mas não tinha
qualquer mácula de pecado. E, vivendo em forma humana, foi obediente
até à morte, morte de cruz. Foi Ele quem morreu! Ele, o único que possui
a imortalidade, condescendeu em morrer! Ele, que era toda a glória e
poder, sim, Ele morreu! Ele, que era toda a ternura e graça, sim, Ele
morreu! Infinita bondade esteve pendurada na cruz! Beleza indescritível
foi traspassada com uma lança! Essa tragédia excede todas as outras! Por
mais perversa que tenha sido a ingratidão do homem em outros casos, a
sua mais perversa ingratidão se expressou no caso de Jesus! Por mais
horrível que tenha sido o ódio do homem contra a virtude, o seu ódio
mais cruel foi manifestado contra Jesus! No caso de Jesus, o inferno
superou todas as suas vilezas anteriores, clamando: “Este é o herdeiro;
ora, vamos, matemo-lo” (Mt 21.38).
Deus
habitou entre nós, e os homens não O aceitaram. Visto que o homem foi
capaz de traspassar e matar o seu Deus, ele cometeu um pecado horrível. O
homem matou o Senhor Jesus Cristo e O traspassou com uma lança! Nesse
ato, o homem mostrou o que fariam com o próprio Eterno, se pudesse
chegar até Ele. O homem é, no coração, assassino de Deus. Ele se alegria
se Deus não existisse. Ele diz em seu coração: “Não há Deus” (Sl 14.1).
Se a sua mão pudesse ir tão longe quanto o seu coração, Deus não
existiria nem mesmo por mais uma hora. Isto dá ao traspassamento de
nosso Senhor uma forte intensidade de pecado: foi o traspassamento de
Deus.
Por
quê? Por que razão o bom Deus foi assim perseguido? Oh! pelo amor de
nosso Senhor Jesus Cristo, pela glória de sua Pessoa, pela perfeição de
seu caráter, eu lhe peço — admire-se e envergonhe-se de que Ele foi
traspassado! Não foi uma morte comum. Aquele assassinato não foi um
crime comum. Ó homem, Aquele que foi traspassado com a lança era o seu
Deus! Na cruz, contemple o seu Criador, o seu Benfeitor, o seu melhor
Amigo!
Olhe
firmemente para Aquele que foi traspassado e observe o Sofredor que é
descrito na palavra “traspassado”. Nosso Senhor sofreu severa e
terrivelmente. Não posso, em uma mensagem, descrever a história de seus
sofrimentos — as tristezas de sua vida de pobreza e perseguição; as
angústias do Getsêmani e do suor de sangue; as tristezas de seu
abandono, traição e negação; as tristezas no palácio de Pilatos; os
golpes de chicotes, o cuspe e o escárnio; as tristezas da cruz, com sua
desonra e agonia... Nosso Senhor foi feito maldição por nós. A
penalidade do pecado ou o que lhe era equivalente, Ele a suportou,
“carregando ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados”
(1 Pe 2.24). “O castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas
suas pisaduras fomos sarados” (Is 53.5).
Irmãos,
os sofrimentos de Jesus devem amolecer nosso coração! Nesta manhã,
lamento o fato de que não me entristeço como deveria. Acuso a mim mesmo
daquele endurecimento de coração que eu condeno, visto que posso
contar-lhes essa história sem enternecimento de coração. Os sofrimentos
de meu Senhor são indescritíveis. Examinem e verifiquem se já houve
tristeza semelhante à de Jesus! A sua tristeza foi abismal e
insondável... Se você considerar firmemente a Jesus traspassado por
nossos pecados e tudo que isso significa, seu coração se dilatará! Mais
cedo ou mais tarde, a cruz desenvolverá todo sentimento que você será
capaz de produzir e lhe dará capacidade para mais. Quando o Espírito
Santo põe a cruz no coração, o coração se dissolve em ternura... A
dureza de coração desaparece quando, com profundo temor, contemplamos a
Jesus sendo morto.
Devemos
também observar quem foram os que traspassaram a Jesus. “Olharão para
aquele a quem traspassaram.” Ambos os verbos se referem às mesmas
pessoas. Nós matamos o Salvador, nós que olhamos para Ele e vivemos...
No caso do Salvador, o pecado foi a causa de sua morte. O pecado O
traspassou. O pecado de quem? Não foi o pecado dEle mesmo, pois Ele não
tinha pecado, e nenhum engano se achou em seus lábios. Pilatos disse:
“Não vejo neste homem crime algum” (Lc 23.4). Irmãos, o Messias foi
morto, mas não por causa dEle mesmo. Nossos pecados mataram o Salvador.
Ele sofreu porque não havia outra maneira de vindicar a justiça de Deus e
de prover-nos um escape da condenação. A espada, que deveria cair sobre
nós, foi despertada contra o Pastor do Senhor, contra o Homem que era o
Companheiro de Jeová (Zc 13.7)... Se isso não quebranta nem amolece
nosso coração, observemos por que Ele foi levado a uma posição em que
poderia ser traspassado por nossos pecados. Foi o amor, poderoso amor,
nada mais do que o amor, que O levou até à cruz. Nenhuma outra acusação
Lhe pode ser atribuída, exceto esta: Ele era culpado de amor excessivo.
Ele se colocou no caminho do traspassamento, porque resolvera
salvar-nos... Ouviremos isso, pensaremos nisso, consideraremos isso e
permaneceremos apáticos? Somos piores do que os brutos? Tudo que é
humano abandonou a nossa humanidade? Se Deus, o Espírito Santo, está
agindo agora, uma contemplação de Cristo derreterá o nosso coração de
pedra...
Quero
dizer-lhes ainda, ó amados: quanto mais olharmos para Jesus
crucificado, tanto mais lamentaremos o nosso pecado. A reflexão
crescente produzirá sensibilidade crescente. Desejo que olhem muito para
Aquele que foi traspassado, para que odeiem cada vez mais o pecado.
Livros que expõem a paixão de nosso Senhor e hinos que cantam a sua cruz
sempre foram bastante queridos pelos crentes piedosos, por causa de sua
influência sobre o coração e a consciência deles. Vivam no Calvário,
amados, até que viver e amar se tornem a mesma coisa. Diria também:
olhem para Aquele que foi traspassado, até que o coração de vocês seja
traspassado.
Um
antigo teólogo dizia: “Olhe para a cruz, até que tudo que está na cruz
esteja em seu coração”. E acrescentou: “Olhe para Jesus, até que Ele
olhe para você”. Olhem com firmeza para o sua Pessoa sofredora, até que
Ele pareça estar volvendo sua cabeça e olhando para você, assim como o
fez com Pedro, que saiu e chorou amargamente. Olhe para Jesus, até que
você veja a si mesmo. Lamente por Ele, até que lamente por seu próprio
pecado... Ele sofreu em lugar, em favor e em benefício de homens
culpados. Isso é o evangelho. Não importa o que os outros preguem, “nós
pregamos a Cristo crucificado” (1 Co 1.23). Sempre levaremos a cruz na
vanguarda. A essência do evangelho é Cristo como substituto do pecador.
Não evitamos falar sobre a doutrina do Segundo Advento, mas, antes e
acima de tudo, pregamos Aquele que foi traspassado. Isso levará ao
arrependimento evangélico, quando o Espírito de graça for derramado.
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