Deixem-me mostrar-lhes quão
sadio é servir a Deus. O homem que serve a Deus, movido pelo Espírito de Deus
para assim fazer, é humilde. Se ele fosse orgulhoso seria prova imediata de que
ele não está servindo a Deus; contudo, lembrando que Deus é seu soberano, e que
Ele o tem feito, que na mão dEle está sua vida, faz com que o homem bom se
sinta nada mais do que pó e cinza. Servindo a Deus mantém o homem no seu devido
lugar. E um ponto de equilíbrio para ele, sem o qual talvez fosse levado à
destruição, como as miríades de borboletas que tenho visto em alto mar,
condenadas logo a caírem nas ondas. Ao mesmo tempo, enquanto soleniza o homem,
também o enche de alegria, de louvor, e de gratidão, assim dando-lhe força além
de estabilidade. Alguém que ama servir a Deus recebe misericórdias de Sua mão
com grande gratidão e gozo, e fica satisfeito com a vontade de Deus e,
portanto, está cheio de gratidão para com Ele; e deixem-me dizer-lhes que não
há momentos mais abençoados na vida de uma pessoa do que aqueles ocupados com
gratidão adoradora.
Não há nada mais purgativo, ou
que mais purifique um homem da grosseria mundana, e de toda a poluição do
egocentrismo, do que servir ao Deus eterno e sempre bendito, e sentir que há
Alguém tão maior, tão melhor do que ele mesmo, a quem almejamos, para quem
vivemos. E assim que, simultaneamente, a pessoa sente-se humilde, encorajada e
animada.
O serviço de Deus é nobre mais
do que qualquer outro serviço. Vejam, por exemplo, um homem que vive para si
mesmo; seu maior objetivo é ganhar dinheiro. Vejam-no e considerem-no bem!
Acaso a avidez por riquezas não seria uma das paixões mais desprezíveis que o
coração humano possa possuir? A formiga, que trabalha para sua comunidade, para
mim fica lá entre os anjos, comparada a um homem que sofre, trabalha e se deixa
morrer de fome, simplesmente a fim de juntar para si mesmo uma pilha de metal
dourado. Será que eu poderia elogiar mais aquele que ama o prazer? Que é o
prazer? Da maneira que o mundo o entende, é uma imitação vazia, uma aparência
de alegria, cobrindo profunda descontentamento. Muitas vezes penso, quando ouço
criaturas mundanas rindo sobre tolices tão ridículas, que devem estar caçoando
uns dos outros e dizendo, "Ri. Você deveria rir". Não consigo ver a
alegria de seus divertimentos, no entanto elas conseguem. Lutam para ser
felizes, todavia, depois de tudo, o que adianta ter vivido somente para ser
entretido? Ter consumido todas as energias matando tempo! Haveria qualquer coisa
mais desprezível?
Quão horrível é quando o homem
vive para a concupiscência e gasta todas as suas energias gratificando suas
paixões! Bárbaros! Animais! Que infelicidade! Insulto os animais quando
comparo-os a tais homens. O homem que vive para Deus é um ser muito mais nobre.
Ora, no próprio ato de renunciar a si mesmo e de dedicar-se a Deus o homem tem
sido levantado do mundo, e de tudo que o segura ao pó e ao lodo dele, e ele tem
subido tão mais perto dos querubins, tão mais perto, de fato, do divino. Isso
torna o homem um verdadeiro homem, pois aquele que serve a Deus é corajoso, e
varonil demais para ser escravo. "Deus pede-me para fazer tal coisa",
ele diz, "e eu o farei imediatamente; e mesmo que você tenha me pedido
fazer tal e tal coisa, desde que Deus não me tenha pedido fazer isso, o que
você me pede não é obrigatório. Meu joelho foi feito para dobrar diante de meu
Deus e não diante de você, e minha mente foi feita para crer no que Deus revela
e não no que você decide me dizer."
Livre é o homem que o amor de
Deus torna livre. Como são maravilhosas as provas disso que tivemos no decorrer
da história, pois os homens que serviram a Deus têm sido os mais intrépidos
mortais. Vejam o forno de fogo ardente, e o rosto do tirano Nabucodonozor quase
tão vermelho quanto o próprio fogo; quase que ele não consegue falar, ele fica
engasgado de paixão, porque os três jovens não adorarão a estátua de ouro: mas
vejam como estão calmos ao dizerem: "Eis que o nosso Deus, a quem nós
servimos, é que nos pode livrar; e, se não, fica sabendo, ó rei, que não
serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantaste".
Eis o verdadeiro estilo de varonilidade. O amor a Deus faz heróis.
Dê a um homem a determinação de
servir a Deus e ele fica dotado de gloriosa perseverança. Vejam os apóstolos,
mártires e missionários da fé, como eles avançaram, apesar de um mundo hostil;
quando uma nação tem sido aparentemente inacessível eles têm encontrado um meio
de entrar nela; quando o primeiro missionário morre, logo outro tem estado
pronto para seguir nos seus passos. A Igreja Primitiva, na sua fraqueza,
pobreza e insipiência lutou contra a filosofia, a riqueza e todos os poderes da
Roma pagã, até que enfim o fraco superou o forte, e o ignorante derrotou o
sábio. Aqueles que servem a Deus não podem ser vencidos; das derrotas eles
aprendem a vitória. Se for necessário esperar, eles podem esperar, pois têm se
juntado à vida do Eterno, e Deus não tem pressa, e nem eles. Se levar uma
geração inteira para que a verdade seja escutada, deixe que leve uma geração;
se levar cinqüenta gerações, que assim seja, contudo a obra será feita, a
verdade será pregada, os ídolos serão abolidos e Deus será adorado. O Senhor,
Seu serviço nos faz parecidos conTigo. Abençoados são os que usam o Teu jugo!
Quão fortes eles crescem, quão pacientes para suportar, quão firmes para
permanecer sólidos, quão rápidos para correr. Sobem com asas como águias quando
aprendem a servir-Te.
Aquele que é guiado pelo
Espírito Santo a servir a Deus é incitado, portanto, a um zelo, um fervor, e a
um sacrifício de si mesmo ao qual nada mais poderia incitá-lo. Se vocês estão
familiarizados com as vidas dos pioneiros da cruz, e especialmente das mortes
dos mártires, terão visto o que a graça pode fazer dos homens. Acaso suas obras
não são sublimes? Ora, esses homens riram na face de impossibilidades, e
desprezaram dificuldades. Consideraram a roda e a tortura meras coisas do
cotidiano, aprenderam a sorrir na face da própria morte, porque serviram a
Deus. Nunca cogitaram em fugir, nem sonharam em retrair seu testemunho. Pessoas
diziam, "Vocês são tolos": estavam dispostos a ouvi-los dizer isso e
o consideravam cumprimento de profecia. Os reis da terra levantaram-se, e os
governantes formavam conselhos e diziam: "Aniquilaremos vocês".
Estavam dispostos a enfrentar isso também, no entanto não foram aniquilados.
Aos olhos humanos, havia dificuldades insuperáveis em seus caminhos, porém não
se importavam com o que os olhos humanos percebiam, viam através dos olhos da fé,
e acreditando que estavam ocupados no serviço de Deus, sabiam que Deus estaria
com eles. Sentiam que todas as forças da natureza na terra, todos os anjos no
céu e todos os atributos da deidade, estavam do lado do homem que faz o serviço
de Deus, e por isso foram em frente.
Tenho ouvido que um louco
muitas vezes demonstrará as força de dez homens; e sei que há outro lado desse
fato, pois quando um homem é possuído pelo Espírito Santo, e é levado
totalmente por Ele, não se sabe dizer que força há nele, ele será dez homens num
só. Ora, existem casos quando uma nação inteira parece estar contida num só
homem, quando esse homem tem se entregado ao serviço de Deus.
Vejam Martinho Lutero! Não
podem considerá-lo um homem comum, é difícil vê--lo como qualquer coisa menos
do que uma conglomeração de uma tribo inteira. Ele crê que possui a verdade e
que deve proclamá-la, e no nome de Deus ele a prega, e se existirem tantos
demônios em Worms quanto telhas em cima das casas, não é nada para Lutero; e se
o Eleitor da Saxônia lhe disser que não irá mais abrigá-lo, o que fará Lutero?
Ora, ele declara que se abrigará sob o largo escudo do eterno Deus. Quando o
papa emite uma bula contra ele, Lutero queima o documento. O que importava isso
para ele? Ele teria queimado até a própria Roma. O homem tinha coragem o
suficiente para qualquer coisa.
Ou considerem John Knox, todo
emaciado, fraco e prestes a morrer, e no entanto tão possuído por Deus, tão
inspirado, que ele não prega por nem meia hora antes de sentir que ele
despedaçará o púlpito; ele agita toda a Escócia, e a rainha papista lhe teme
mais do que a um exército de dez mil homens, porque Deus está nesse homem. O,
aprenda a sentir da seguinte forma: "E a vontade de Deus, e a todo custo
vou fazer a Sua vontade, pois é Deus que está mandando". Eu lhes digo:
seria mais fácil para alguém tentar parar o sol no seu curso do que parar um
homem que é dominado por essa convicção.
Se algum dia esta época tola de
pequenos homens for erguida como coisa que pareça respeitável, e redimida do
pântano de falsidade na qual está apodrecendo, será necessário que criemos uma
raça de homens cuja intenção é servir a Deus, haja o que houver, e que não faça
avaliações além destas: "E certo? Será feito. E errado? Então, não será
feito". Não deveremos comprometer nossa posição, nem falar sobre arruinar
nossa utilidade e estragar nossa posição por sermos exatos demais. Utilidade e
posição! Deixem que essas sejam arruinadas e estragadas se a verdade ficar no
caminho, pois Deus deve ser seguido selva adentro, sim, até para dentro das
gargantas dos animais ferozes, e para dentro da boca do inferno, se Ele mostrar
o caminho. Deus há de ser o guia, e se O seguirmos tudo há de estar bem
conosco.
Entretanto, se não O seguirmos,
aquilo que o homem pensa ser a coisa mais fácil tornar--se-á a mais difícil.
Ele acha mais fácil permanecer quanto mais certo possível, porém sem correr
riscos; ele acha melhor manter a paz em casa, conceder muitos pontos, não ser
muito puritano ou muito exato, e assim por diante. Esse é o jeito fácil, o
jeito que Deus detesta, o caminho que levará no fim a uma consciência
cauterizada, e à exclusão do céu.
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