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domingo, 17 de junho de 2012
ROMEU BORNELLI - O SERVIÇO NA CASA DE DEUS
O serviço na casa de Deus
Romeu Bornelli
Leituras: Efésios 3:2; 1ª Coríntios 4:1-2, 9:17; 1ª Pedro 4:10.
Vocês notem quantas vezes a palavra administração ou administradores aparecem nestes textos. O Senhor nos confiou algo relacionado com a sua dispensa. A palavra que Paulo usa em Efésios 3:2 fala de uma economia, algo que Deus nos confiou, tão precioso, porque toca aquilo que está e esteve eternamente em seu coração, e então foi dispensado. E se requer dos administradores que cada um seja achado fiel.
Quando Paulo escreve a Timóteo, ele coloca uma corrente de quatro elos. Ele diz: «O que de mim tens ouvido diante de muitas testemunhas, encarrega isto a homens fiéis que sejam idôneos para ensinar também a outros» (2ª Tim. 2:2). Paulo é o primeiro elo, Timóteo é o segundo elo, homens fiéis e idôneos é o terceiro elo, e os outros são o quarto elo. Então se vê a transmissão da palavra neste versículo. Agora, o terceiro elo, homens fiéis e idôneos, fala-nos de uma qualidade de caráter.
Como falamos durante estes dias, o nosso problema não é a vida. Nós já temos vida. Cristo nos deu vida; mas quando à vida se associa a disciplina, então temos o caráter. É difícil fazer uma equação da vida espiritual, mas esta, sem dúvida, é uma equação significativa: Vida + disciplina = caráter. Por isso estamos na escola de Cristo, para ser discipulados ou disciplinados. Ele diz: «…aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas» (Mat. 11:29).
Nosso discipulado é um discipulado a Cristo. Nós não formamos discípulos uns dos outros; não atraímos discípulos para nós mesmos. Neste sentido o nosso ministério é como o de João Batista. Quanto mais ele pregava, menos discípulos tinha, porque apontava para o Cordeiro de Deus. Este foi o privilégio de João Batista. Quando o Senhor Jesus passou perto de João Batista, este estendeu o seu dedo e disse: «Eis aqui o Cordeiro de Deus». Esse foi o seu privilégio. Ele disse: «Eu não sou o noivo, sou o amigo do noivo».
Quando João Batista disse: «Eis aqui o Cordeiro de Deus», respondeu com essa frase a maior pergunta do Antigo Testamento, a pergunta de Isaque a seu pai Abraão. Quando o Senhor pediu a Abraão que levasse a Isaque ao monte Moriá, no caminho, Isaque disse: «Pai, eu vejo o fogo e a faca, mas, onde está o cordeiro para o holocausto?» (Gên. 22). É a maior pergunta do Antigo Testamento.
Dois mil anos depois, João Batista dá a resposta: «Eis aqui o Cordeiro de Deus». E quanto mais ele pregava, quanto mais apresentava ao Cordeiro, mais discípulos do Cordeiro ele fazia. Este é o nosso ministério, esta é a nossa função. Se formos idôneos, se formos fiéis, não faremos discípulos para nós mesmos; faremos discípulos do Cordeiro.
Quando Paulo escreveu a 2º epístola aos Coríntios, que procuraremos estudar hoje, destacou nove aspectos que falam dessa idoneidade ministerial; de homens fiéis e idôneos. Paulo foi um ministro idôneo, pois tinha o caráter de Cristo formado nele. Ele podia dizer: «daqui em diante ninguém me cause moléstias; porque eu trago em meu corpo as marcas do Senhor Jesus» (Gál. 6:17). Essa é a nossa necessidade, para que possamos ser mordomos fiéis.
A segunda epístola de Paulo aos Coríntios é chamada a autobiografia de Paulo. Sem dúvida, ela é como um manual de serviço. Se quisermos realmente aprender algo sobre o serviço cristão, 2ª Coríntios é absolutamente necessário. Vamos, então, ver alguns aspectos desta epístola.
1. Sentença de morte
«Mas tivemos em nós mesmos sentença de morte, para que não confiássemos em nós mesmos, mas sim em Deus que ressuscita os mortos» (2ª Coríntios 1:9).
Esta é a primeira marca que deve ser evidente em nosso serviço ao Senhor, talvez a mais básica e importante. Se nós queremos servir ao Senhor, necessitamos uma sentença de morte. Não é impressionante isto irmãos? Sentença de morte. Para que? Para que não confiemos em nós mesmos, mas sim em Deus que ressuscita os mortos.
Por causa da dificuldade em compreender e viver esta sentença de morte, muito do serviço a Deus é feito na força da carne. E não há nada mais problemático que um serviço a Deus feito na força da carne, porque, em primeiro lugar, não produz um verdadeiro serviço a Deus, e em segundo lugar, produz um anti-serviço a Deus. Nós causamos confusão na casa de Deus, nós ministramos a nós mesmos, provocamos partidarismos, ficamos enciumados uns dos outros, consideramos os outros inferiores a nós mesmos e causamos todo um problema na casa de Deus, porque não temos uma sentença de morte.
Mas, o que significa sentença de morte? Vejamos uns versículos mais sobre isto.
«…não que sejamos capazes por nós mesmos de pensar algo como de nós mesmos, mas a nossa competência provém de Deus, o qual deste modo nos fez ministros competentes de um novo pacto, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata, mas o espírito vivifica» (2ª Cor. 3:5-6).
Este é um aspecto que nos ajudará a entender esta sentença de morte. Tentaremos fazer isto de forma bem prática. Faremos uma aplicação. Todos nós temos algo do depósito da revelação de Cristo que nos foi dada. Este depósito é precioso. Mas, sabe qual é o desafio? Que não confiemos no depósito, mas confiemos em que o Espírito Santo poderá usar este depósito para edificar a igreja.
Há uma tentação tão grande, à medida que o Senhor vai colocando um depósito em nós, e é que nós confiemos em nosso depósito, especialmente os jovens, enchendo a cabeça de conhecimentos, estudando a palavra e estudando livros. Isto é muito importante, absolutamente necessário. Mas que tentação temos de confiar em nosso depósito e prestar a Deus um serviço intelectual, um serviço na força da carne.
Além do conhecimento por revelação, além do conhecimento através do estudo, além de estar perto do Senhor para aprender dele, aprender por meio da visão e revelação, precisamos aprender pelo companheirismo com Cristo, pelo discipulado a Cristo.
Nós temos que colocar o nosso pescoço no jugo de Cristo. Se não, seremos inúteis na casa de Deus. Vamos ministrar conhecimento, ou algo de nós mesmos, ou inclusive do depósito que recebemos; mas não terá valor espiritual, porque na casa de Deus, nós não podemos ser mestres que ensinam, intelectualmente, dando ensino em si mesmo. O ensino na casa de Deus é uma transmissão de Cristo.
Por isso em João 6:63, o Senhor diz: «…as palavras que eu vos disse são espírito e são vida». Não é doutrina, não é conhecimento, alimento para a mente. O Senhor se dá através da sua palavra. Esse é o ministério da palavra: o próprio Cristo sendo dado a nós. Mas, para que Cristo seja dado a nós, uma barreira tem que ser quebrada em nós, uma casca muito grosa. Essa casca se chama o ego. Então Deus usa as circunstâncias.
O assunto em 2ª Coríntios 1:9, a sentença de morte que Paulo apresenta aqui, está especialmente ligada com as circunstâncias, já no versículo anterior, ele fala sobre a natureza da tribulação que lhes sobreveio na Ásia; uma tribulação tão grande que eles se desesperaram da sua própria vida. Vocês veem o discipulado a Cristo? Creem que Paulo seria o servo que chegou a ser sem esse tipo de tratamento? Claro que não.
Em 2ª Coríntios 11 Paulo fala muito das suas adversidades: naufragou no mar muitas vezes, em vigílias muitas vezes, em jejuns, em perigos, entre pessoas da sua própria pátria, entre falsos irmãos. Muitas aflições. E o Senhor usou tudo isso para produzir o caráter de Cristo em Paulo. Ele podia dizer: «Já não vivo eu, mas Cristo vive em mim» (Gál. 2:20), por causa da sentença de morte.
Esta é a primeira marca do nosso serviço ao Senhor: sentença de morte. Às vezes pensamos que o Senhor teve um ganho tão grande quando ele nos chamou. Nós somos servos tão especiais, tão preparados, conhecemos tanto, tivemos uma boa escola, um bom berço, nossos pais já eram cristãos, nossos avós e bisavôs já eram cristãos; somos filhos de Abraão. Quanto orgulho! O Senhor não pode usar nada disso, a menos que passemos pela cruz.
A vida de altar foi a marca da vida e serviço de Abraão. Abraão edificou quatro altares, e isso fala da sua sentença de morte. O primeiro altar, em Gênesis 12:7, é o altar da revelação. O Deus de glória apareceu a Abraão, e este levantou um altar. Em seguida, no versículo 8, Abraão vai armando as suas tendas entre Betel e Ai. Betel fala da casa de Deus, e Ai significa um montão de ruínas, que é um tipo do mundo. Então, quando olhamos para o mundo, nos lembramos de Ai. O mundo é um Ai. Ai de nós, se nos envolvermos com o mundo! O mundo é um montão de ruínas. Então Abraão, colocou o seu segundo altar entre Ai e Betel; ele estava entre o mundo e a casa de Deus, nem no mundo nem na casa de Deus. Esse é o altar da separação.
Depois, em Gênesis 13:18, Abraão levanta o terceiro altar, junto ao carvalhal de Manre, que está no Hebrom, e Hebrom fala de comunhão. Esse é o altar da comunhão. Depois, o último altar, em Gênesis 22, onde Abraão coloca a seu filho. Agora, veja o que significa aqui a sentença de morte. Quando Abraão recebeu Isaque do Senhor, aquele não era só um filho, era o filho da promessa. Toda a promessa de Deus repousava sobre Isaque. Isaque era um tremendo dom de Deus para Abraão. «Em ti serão benditas todas as famílias da terra».
Sabe o que Abraão fez com Isaque? Ele pôs Isaque dentro da tenda. A tenda é onde nós guardamos as nossas coisas. Abraão recebeu um dom maravilhoso; ele tomou esse dom e o guardou na tenda; mas não o fez passar pelo altar. Um dia, o nosso Senhor lhe disse: «Abraão… vai-te a terra de Moriá». A terra de Moriá é onde se levantou o templo de Salomão, segundo Crônicas 22. Ali se levantou a casa de Deus, no mesmo lugar onde Abraão fez aquele sacrifício.
Então, o Senhor lhe disse: «Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas… e oferece-o ali em holocausto» (Gên. 22:2). Então Abraão toma o dom de Deus, o dom precioso, e o passa pelo altar. Depois que isso aconteceu o Senhor lhe disse: «Deveras te abençoarei, e te multiplicarei…» (v. 17).
Sabe por que nós não somos abençoados em nosso serviço, por que não multiplicamos o nosso serviço? Porque o dom que recebemos não passou pelo altar, que fala da obra da cruz. Sentença de morte: Não confiar no dom, seguir um caminho de discipulado a Cristo, aprender dele, que é manso e humilde. Tudo aquilo que colocamos em nossa tenda: os nossos valores, nossos dons, nossas capacidades, nossos talentos, esses que recebemos de Deus, os guardamos na tenda. Se eles não passarem pelo altar e forem recuperados em ressurreição, serão inúteis para o Senhor.
Tudo o que pomos na tenda e não passa pelo altar, tem a capacidade de nos corromper. Então, quando o Senhor pediu Isaque a Abraão, o que ele queria na verdade era o próprio Abraão; porque o coração de Abraão, a sua esperança e confiança, estavam ligadas a Isaque. E em Romanos capítulo 4, Paulo nos diz que, por causa dessa experiência, Abraão aprendeu a crer no Deus que «…dá vida aos mortos, e chama as coisas que não são, como se já fossem» (Rom. 4:17).
Você viu essa ordem aí? Em que sentido Abraão conheceu a Deus como o Deus que chama à existência as coisas que não existem? Quando Isaque nasceu. Abraão era um velho, a sua esposa era velha e estéril; era impossível que tivessem filhos. O que é que você pensa quando vê que o Senhor disse a Abraão que ia ter um filho? Imagine Sara passando diante de Abraão, arrastando-se, já uma senhora. Abraão devia pensar: «Daí não vai nascer filho algum». Nem sequer Sara pensou, por isso ela ofereceu a Agar para Abraão.
Agar é o fruto da carne; Agar somos nós tratando de ajudar a Deus; é o nosso esforço; é o contrário da obra do altar. Então quando Abraão usa Agar, esse é um andar carnal. Então, primeiro ele aprendeu a crer no Deus que chama a existência as coisas que não existem. Isaque era impossível, mas Deus o trouxe à existência. Isto não nos parece extremamente maravilhoso?
Entretanto, o Senhor tem algo mais. Agora, ele toma a aquele que veio à existência, esse fruto impossível, esse dom de Deus, e o leva para o altar, para que Abraão aprenda uma segunda lição: a confiar no Deus que vivifica os mortos, porque esse é o ministério cristão. Se nós não confiarmos no Espírito Santo, no próprio Senhor, na vida do Senhor em nós, nada podemos produzir. Embora tenhamos um dom, o nosso dom vai causar um estrago na casa do Senhor.
Essa é a grande lição da 1ª carta aos Coríntios. Eles eram carnais. «Não são carnais, e andam como homens?» (3:3). Mas no capítulo 1, Paulo diz que eles foram, em tudo, enriquecidos em Cristo, em toda palavra e todo conhecimento, e não lhes faltava nenhum dom (v. 7).
Como pode uma igreja ter toda palavra, todo conhecimento, não lhe faltar nenhum dom, e ser tão carnal? Porque o dom caminha junto com a carne. E o que o Espírito Santo quer fazer? Quebrantar a carne, tirar a carne fora. Circuncisão do coração pela palavra, no Espírito, retirando o que é natural, terrestre, humano, o que finalmente é carnal, para que então possamos servir com o dom espiritual e de forma espiritual. Então, esta é a sentença de morte.
Atos 20:24 tem mais outro exemplo desta sentença de morte. «Mas de nada faço caso, nem estimo preciosa minha vida para mim mesmo, contanto que acabe a minha carreira com gozo, e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus».
Essa primeira frase, «nem estimo preciosa a minha vida para mim mesmo», é impossível para nós. Todos nós amamos a nossa vida e a amamos até o fim. O nosso Senhor amou os seus até o fim, e amamos a nós mesmos até o fim. Só há uma maneira de não considerar a nossa vida preciosa para nós: é a sentença de morte. Sabemos quem é o Senhor e quem somos nós, conhecemos o privilégio do nosso chamamento, e conhecemos a obra do Espírito nos removendo da vida da carne, da dependência da carne, da vida natural, de talentos naturais, inclusive de dons espirituais, e nos introduzindo em uma vida e ministério genuinamente espiritual.
Esta é a sentença de morte. Como Deus opera isto em nós? Através da obra da cruz. Qual é a obra da cruz na prática? Creio que vocês têm lido essa frase em muitos livros. Nossos irmãos Austin-Sparks, Watchman Nee, Stephen Kaung e muitos outros usam essa frase: O caminho da cruz, a obra da cruz. O que isso significa?
Por um lado, o Senhor atua em nós usando as circunstâncias. É o que já vimos em 2ª Coríntios 1:8. Uma tribulação desesperadora, que nos faz desesperar da nossa própria vida, porque esse é o primeiro lado da obra da cruz: Deus, em sua providência, arruma as circunstâncias. Nós precisamos ser muito cuidadosos quando rejeitamos as circunstâncias, porque estamos rejeitando o trabalho da cruz.
Madame Guyon, uma serva de Deus, uma dama da nobreza francesa, orou um dia para que o Senhor removesse dela os adornos naturais. Ela notou que a sua beleza, sua cultura, sua riqueza, eram impedimentos para servir ao Senhor. Então orou: ‘Senhor, tira os meus adornos’. Que oração! E o Senhor foi removendo aquilo, e ela aprendeu aos pés da cruz, sendo uma serva preciosa do Senhor. Nosso irmão Watchman Nee, falando dela, disse que nós precisamos aprender a nos ajoelhar e a beijar a mão que trata conosco, como fazia Madame Guyon.
Esta irmã chegou a ser conhecida pela obra da cruz em sua vida. O Senhor a despojou de tudo, inclusive da sua beleza. Ela teve uma enfermidade na pele e fico muito feia. O Senhor removeu tudo, e lhe deu tudo. Por isso em 2ª Coríntios 6:10 Paulo diz: «como não tendo nada, mas possuindo-o tudo ... como pobres, mas enriquecendo a muitos ... como entristecidos, mas sempre contentes». Não é um paradoxo? Esse é o resultado da obra da Cruz.
Então, a cruz trabalha pelas circunstâncias, e opera também pela palavra. «Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e penetra…» (Heb. 4:12). Esse é o outro lado da obra da cruz. Então, o caminho da cruz, é nos submeter às circunstâncias que Deus arruma para tratar conosco, é nos submeter à ação da palavra de Deus, que vai dividir a alma do espírito, o natural do espiritual, o terreno do celestial. Essa é a obra da cruz. Então, guarde esses dois aspectos: nos submeter à Palavra e nos submeter aos tratamentos de Deus. Isso nos fará espirituais, isso gravará em nós a sentença de morte. Este é o primeiro aspecto.
2. O testemunho da nossa consciência
O segundo aspecto do nosso serviço cristão: 2ª Coríntios 1:12, «Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência». Não há como servir ao Senhor sem um testemunho adequado da nossa consciência.
Irmãos, este assunto é tão importante, que não há como valorizá-lo mais. Por mais que o valorizemos, será pouco. Sabe por quê? Em nosso espírito, nós temos o exercício de três funções de acordo com o Novo Testamento. Temos a faculdade da intuição. Isso seria como uma lâmpada. Intuição é receber luz e direção do Senhor; intuição do Espírito, nos dando luz e direção.
Há outra função do espírito: a comunhão. Para isso, pense em uma mesa. A intuição é como uma lâmpada; a comunhão, como uma mesa. Temos comunhão no Espírito, porque Deus é Espírito; os seus adoradores o adoram em Espírito. A comunhão é uma das funções do nosso espírito.
Mas há uma terceira: a nossa consciência. Ela é uma função do nosso espírito. Agora pense em uma porta. Para que serve uma porta? Para regular o que entra e o que sai. Essa é a função da consciência. Nossa consciência trabalha todo o tempo, inclusive quando estamos dormindo, porque ela é uma função espiritual. Às vezes o Senhor nos desperta de algum sonho, porque de alguma forma esse sonho não está sendo agradável a ele. Esse é o testemunho da nossa consciência.
A consciência é um órgão maravilhoso. Às vezes quando o Espírito Santo fala com a nossa consciência, nós tratamos de esquivar dessa voz do Espírito Santo, tratamos de nos justificar; mas o falar do Espírito em nossa consciência é direto, não passa primeiro pela mente. Nós é que tratamos de usar a nossa mente para obscurecer o que o Espírito falou com a consciência, e aí causamos problemas a nós mesmos, porque muitas vezes o Espírito está dizendo: ‘Faça’, e a mente diz: ‘Agora, não; amanhã o farei’.
Muitas vezes, o Senhor, pelo Espírito, diz a nossa consciência: ‘Trata aquele assunto’. E a nossa mente diz: ‘Mas a culpa foi do irmão; é ele quem fez isso; ela falou aquilo; eu fui rejeitado e os meus sentimentos estão feridos’. Mas o Espírito Santo continua falando: ‘Faça… vá… fale’. Esse é o testemunho da nossa consciência. Então, a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência.
Sabe o que Paulo chegou a dizer a Timóteo? Ele diz: «…mantendo a fé e a boa consciência, a qual havendo alguns rejeitado, naufragaram quanto à fé…» (1ª Tim. 1:19). Quão sério é este versículo! Se rejeitarmos a boa consciência, nós vamos naufragar na fé, porque a consciência é este órgão de discernimento do Espírito.
Quão importante é ouvir o falar do Espírito em nossa consciência! Por isso, Paulo fala de manter uma boa consciência e também de uma consciência limpa. Isso é absolutamente necessário na casa de Deus; se não, vamos defraudar uns aos outros, vamos ter toda uma confusão, porque não estamos ouvindo o falar do Espírito em nossa consciência. Por isso ele diz: «A nossa glória é esta». Esta é uma palavra muito forte. Se passarmos por cima da consciência, não respondendo, não ouvindo-a, nós seremos inúteis no serviço ao Senhor. Então, essa é a segunda marca.
3. Um espírito coordenado
«Quando cheguei a Trôade para pregar o evangelho de Cristo, e quando se me abriu uma porta no Senhor, não tive descanso em meu espírito, por não ter achado a meu irmão Tito; assim, me despedindo deles, parti para a Macedônia» (2ª Cor. 2:12-13).
Aqui temos uma lição maravilhosa para o serviço cristão. Paulo tinha um ‘espírito coordenado’. Ele era um grande apóstolo, um homem de Deus; tinha clareza na visão de Cristo e a igreja, uma tremenda carga pela obra. E olhe o que diz aqui: «Se me abriu uma porta no Senhor». Você viu Paulo desperdiçar alguma porta? Ele era aquele que pregava e pregava, mas aqui se abriu uma porta, e Paulo não pregou. Por quê? Porque ele não teve descanso em seu espírito. Qual foi o motivo disso? Ele não encontrou a Tito.
De algum jeito, a obra em Trôade era dependente de Tito. Paulo não podia trabalhar sozinho; ele discerniu isso. Ele não pensou por si: ‘Eu sou Paulo. Quem é Tito? Tito é meu discípulo, ele aprendeu tudo de mim; ele não vai falar nada novo. Eu sou mais velho, tenho mais experiência que ele. Se Tito não veio, pregarei sozinho’. Mas Paulo não fez assim, porque ele tinha um espírito coordenado. Isso não é maravilhoso, irmãos?
Como edificamos o nosso império pessoal! Ministérios pessoais. Promovemos o nosso próprio ministério. Não temos aliança uns com os outros; não esperamos uns pelos outros. Nos promovemos, e não estamos coordenados uns com os outros. Esta é uma grande lição: um espírito coordenado.
Quando estudamos 1ª Coríntios 12, você sabe que ali fala sobre o corpo de uma maneira muito linda. Vamos fazer uma figura daquele capítulo, para nos ajudar. Imagine que somos uma orelha no corpo de Cristo. Este corpo tem que estar bem coordenado, porque ele só funciona assim, nessa coordenação e dependência uns dos outros.
Então, imaginemos que somos uma orelha, e temos a habilidade de ouvir o Senhor. Isso é maravilhoso, mas não estamos contentes; nós queremos ser o olho. Então tiramos a orelha do seu lugar e a pomos diante do olho, porque a orelha quer olhar. Então, vão ocorrer três coisas: Primeiro, o corpo vai deixar de ouvir, porque a orelha não está em seu lugar, não está exercendo a sua função, aquilo para o qual foi dotada e preparada pelo Senhor. Ela quer ser olho, e então o corpo não ouvirá, porque a orelha está fora do seu lugar.
Nós sempre queremos ser o outro, queremos ter o dom do outro. Quando essa orelha se põe na frente, provoca um segundo problema: ela vai obstruir o olho. O olho quer olhar, mas a orelha não o deixa, ela quer ocupar esse lugar. Então, o corpo vai ficar totalmente deficiente, porque essa orelha saiu do seu lugar, e ela não vai conseguir olhar. Há três problemas: o corpo não vai ouvir; o olho não vai ver, e a orelha não vai olhar, porque ela não foi capacitada para isso.
Então, é tão necessária no corpo de Cristo esta coordenação. Por isso, 1ª Pedro 4:10 diz: «Cada um segundo o dom que tem recebido, ministre-o aos outros…». Se você for olho, você não é orelha; se você for nariz, você não é o ouvido. «Deus coordenou o corpo», na versão em português (1ª Cor. 12:24). Paulo mostra aqui um espírito coordenado.
Isto é muito importante no corpo de Cristo. Em nosso serviço cristão devemos nos receber uns aos outros, respeitarmos uns aos outros e apreciarmos uns aos outros, porque a graça de Deus é multiforme. Devemos consolar uns aos outros em nosso serviço e advertirmos uns aos outros. Se a orelha tiver algo que cause um problema de audição, a própria orelha não pode tirar isso; necessitará de um instrumento que seja colocado na orelha para remover essa cera. A própria orelha não pode fazer; necessita de outro instrumento que faça isso para ela. Essa é a coordenação do corpo de Cristo. Precisamos aprender isso e vivê-lo.
Uma das coisas que mais obstaculiza o serviço ao Senhor é o nosso excesso de sensibilidade. Somos hipersensíveis. É quase como levar uma placa: ‘Estou sofrendo, estou ferido; não me toquem’. Quantos problemas causamos!
Muitas vezes, quando algum irmão, depois de orar muito tempo, constrangido pelo Espírito Santo, vem a nós para falar, por exemplo, algo sobre a nossa vida conjugal. Ah, isso é um problema! Porque o irmão vai se aproximar e vai nos dizer: ‘Meu irmão, percebi isto, isto e isto. No amor do Senhor, na verdade do Senhor, eu gostaria que você considerasse este, este e estes aspectos’.
Quando isso ocorre, a primeira reação da pessoa que está ouvindo é pensar assim: ‘por que ele não se preocupa com a sua própria mulher? Por que não se preocupa com a sua casa? Por que não se preocupa com os seus filhos? Quantas deficiências este irmão tem!’. Não é assim? Então, avançamos tão lentamente, porque somos muito sensíveis e vamos pisando em ovos. Irmãos, esse é o relacionamento do mundo, não o da casa de Deus, porque em Sua casa o relacionamento é «…exortai-vos uns aos outros cada dia, quanto a isso se diz: Hoje; para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado» (Heb. 3:13). Por que, qual é o perigo? Que sejamos endurecidos pelo engano do pecado.
Nós pensamos que somos melhores que o pecado, e esquecemos que o pecado é ardiloso, sutil, e nos engana. Por isso, nós necessitamos essa coordenação no corpo de Cristo, nos ajudar uns aos outros, para tirar os impedimentos uns dos outros, e poder avançar juntos coordenadamente.
Quando Paulo escreve as suas 13 epístolas, ele cita mais de setenta nomes, de diversas cidades. Não é impressionante? A alguns chama ‘meus amados’, ou ‘meu amado’. Naquele tempo não havia avião, nem automóveis, nem telefones, nem internet, e ele cita mais de setenta nomes de pessoas que se relacionavam de maneira tão próxima: irmãos, colaboradores, outros obreiros. Relacionamento pessoal, coordenação. Esta é a terceira marca.
4. Somos para Deus
«Damos graças a Deus, o qual nos leva sempre em triunfo em Cristo Jesus, e por meio de nós manifesta em todo lugar o aroma do seu conhecimento. Porque para Deus somos o grato aroma de Cristo nos que se salvam, e nos que se perdem; a estes certamente aroma de morte para morte, e para aqueles aroma de vida para vida. E para estas coisas, quem é suficiente? Pois não somos como muitos, que progridem falsificando a palavra de Deus, mas com sinceridade, como da parte de Deus, e diante de Deus, falamos em Cristo» (2ª Cor. 2:14-17).
A lição aqui, para o serviço cristão é que nós somos para Deus um incenso. Versículo 15: «Porque para Deus somos o grato aroma de Cristo». Não perca essa expressão: Nós somos para Deus. Não somos, em primeiro lugar, para a igreja, nem para a obra, nem uns para os outros, nem para o mundo. Nós somos, «para Deus», um grato aroma de Cristo.
Eu creio que os irmãos conhecem a biografia do nosso irmão Watchman Nee. Quando ele já estava cumprindo quase vinte anos na prisão, recebeu alguns donativos da sua irmã. O sistema carcerário filtrava todas aquelas cartas. Você não podia escrever em nenhuma carta o nome de Deus, o nome de Jesus, nada disso. Então ele escreveu uma pequena nota para agradecer a sua irmã, uma nota muito linda. Diz assim: «Obrigado pelos donativos que me enviou, não me faltou nada».
E agora ele acrescenta uma frase, trocando o nome de Deus, que não podia usar, pela palavra Alegria, e a última frase dele para a sua irmã, foi: «Conservo a minha Alegria». O que queria dizer com isso? Que ele permanecia em Deus, e Deus permanecia nele. Porque somos para Deus, não para a obra, não para a igreja, não para o mundo. Nós somos para Deus. Quando a obra nos for tirada, quando os irmãos nos forem tirados, quando não tivermos mais contato com o mundo, por algum motivo (prisão, enfermidade), nós somos para Deus um grato aroma de Cristo.
Quando estava concluindo o seu ministério, o nosso irmão Watchman Nee fez uma oração, dizendo assim: «Senhor, eu passaria tudo isto de novo, não por causa da sua obra, não por causa da sua igreja, não por causa dos seus filhos, mas por ti mesmo».
Em João capítulo 12, quando Maria de Betânia quebra aquele vaso de alabastro e derrama o perfume precioso na cabeça do Senhor, o versículo 3 diz que toda a casa se encheu do aroma do perfume. Ela fez algo para o Senhor, ela não fez algo para a casa. Percebeu isso? Quando ela ungiu a cabeça do Senhor, toda a casa se encheu do perfume. Essa é a obra de Deus, essa é a igreja de Deus. Quando nós ungimos o nosso Senhor, quando nos derramamos para ele, porque nós somos para Deus, qual é o resultado? Toda a casa se enche do perfume. Esse é o caminho do Senhor. Ele é o foco, ele é o centro.
Nós somos para Deus. O texto de 2ª Cor. 2: 14-17 nos dá um detalhe a mais. Sendo para Deus, nós vamos cumprir duas funções em nosso serviço ou ministério cristão. Se você ler o texto, verá que, para aqueles que se perdem, nós somos aroma de morte para morte, e para os que se salvam, somos aroma de vida para vida. Vocês notam essa diferença aqui? O que isto significa?
Quando nós somos para Deus, vivemos dele, vivemos nele, e vivemos para ele, nós produzimos dois resultados: aroma de morte para morte, e aroma de vida para vida. Sabe o que isto significa? Tudo aquilo que não agrada ao Senhor, tudo aquilo que não pertence ao Senhor, nós devemos cheirar a morte. Nós manifestamos juízo para aquilo que não agrada ao Senhor, aroma de morte para morte, aroma de condenação.
Vejamos um exemplo. Quando Estevão prega o evangelho em Atos 7, aquele é um aroma de morte para morte. Ele aponta para os fariseus e lhes diz que eles eram de dura cerviz e resistiam ao Espírito Santo. Estevão pregou um maravilhoso evangelho, e foi apedrejado; aroma de morte para morte. O Senhor julgou a aquelas pessoas. Através da morte de Estevão, eles foram julgados. Eles resistiram ao Espírito Santo: aroma de morte para morte. Quando Pedro pregou o evangelho, em Atos 2, três mil se converteram: aroma de vida para vida.
Nós devemos cumprir essas duas funções, não somente uma. Nossa vida deve condenar ao mundo, e nossa vida deve atrair ao mundo. Notam estes dois aspectos? Condenar ao mundo, atrair ao mundo; condenar ao pecado, atrair ao pecador; condenar a resistência ao Espírito Santo, e abrir a porta da vida a outros. Mas, isto só é possível se nós formos, para Deus, um bom perfume.
O contexto que Paulo usa no versículo 14, de triunfo, «Deus… nos leva sempre em triunfo em Cristo Jesus», é uma figura de linguagem.
Quando um general romano combatia uma batalha e levava os seus cativos, ele fazia um desfile em Roma, normalmente na rua central, a via Ápia. O general romano ia adiante, com os seus cativos detrás, e estes estavam despidos. E havia um sacerdote, que passava com um incenso naquela procissão, e um ou mais daqueles cativos seria morto, outros seriam postos em uma posição de misericórdia, em uma posição de bondade. Então, quando aquele incenso passava, isso significava morte para uns e vida para outros. Essa é a figura que Paulo usa, cheiro de morte para morte, e cheiro de vida para vida.
E no versículo 16, ele faz uma pergunta: «E para estas coisas, quem é suficiente (idôneo)?». Veja essa expressão: idoneidade. A idoneidade fala de uma condição de caráter. Paulo fala que, para que sejamos aroma de morte para morte e aroma de vida para vida, nós precisamos ser idôneos. Quem é idôneo para estas coisas? Quem é suficiente para estas coisas? Porque há uma necessidade de que o caráter de Cristo seja formado em nós, para que tenhamos esse cheiro e esse aroma. Então, este é o quarto aspecto: Nós somos para Deus.
5. Não adulterar a palavra de Deus
«Antes renunciamos o que é oculto e vergonhoso, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus, mas pela manifestação da verdade nos recomendando a toda consciência humana diante de Deus» (2ª Cor. 4:2). Qual é o aspecto do serviço importante aqui? Não adulterar a palavra de Deus. Precisamos ser tão aplicados, irmãos, como o povo da Palavra, homens e mulheres da Palavra.
Em Neemias 8, Esdras lê a lei diante do povo. Eles tinham a lei, a Torá, lá na Babilônia. Eles podiam ler, eles conheciam a lei, podiam cantar salmos, podiam fazer orações; mas não tinha o mais importante, o altar para oferecer sacrifícios. Era um culto sem sangue. Quando eles retornam da Babilônia, Esdras recupera a palavra de Deus. Esse foi o grande ministério de Esdras.
«Esdras tinha preparado o seu coração para inquirir a lei de Jeová e para cumpri-la, e para ensinar em Israel os seus estatutos e decretos» (Esdras 7:10). Procurar, cumprir e ensinar a palavra de Deus. Por isso, Esdras foi tão usado pelo Senhor. Esdras era um homem da palavra. Sabe qual foi o resultado do ministério de Esdras? Esdras 7:27 diz que o Senhor o chamou para embelezar, para adornar a casa de Deus. E, como Esdras fez isso? Especialmente através do ministério da palavra. E também ele trouxe mais sacerdotes e os vasos sagrados. Ele embelezou a casa de Deus.
Mas, qual é o ponto central do ministério de Esdras? Entre os judeus, ele é chamado «o escriba», o maior dos escribas, porque ele recuperou a palavra de Deus.
A palavra de Deus deve ser o centro da vida da igreja. A palavra revelada, a palavra viva, a palavra compartilhada, a palavra de exortação, a palavra de consolo, a palavra de Deus, é o centro do nosso serviço. Então, não adulterar a palavra é outro aspecto muito importante.
6. Levando a morte de Jesus
«…levando no corpo sempre por toda parte a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus, se manifeste em nossos corpos. Porque nós que vivemos sempre somos entregues a morte por causa de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossa carne mortal. De maneira que a morte opera em nós, e em vós a vida» (2ª Cor. 4:10-12).
Você vê a lição aqui? Levando a morte de Jesus. Faremos uma ilustração rápida para avançar.
Em Josué 4, quando o povo de Deus atravessou o Jordão, guiado por Josué, o Senhor ordenou que os levita, os sacerdotes, que carregavam a arca passassem diante do acampamento. Jordão, na Bíblia, significa descida, e fala de quebrantamento. Quando os sacerdotes chegaram às margens do Jordão, a ordem do Senhor era que a planta do pé dos sacerdotes tocasse o rio. Sabe por que isso? Porque Josué 1:3 diz: «Eu vos entreguei… todo lugar que pisares a planta dos vossos pés». Esse é o princípio para a conquista da terra do Canaã: a vida de fé.
Então quando tocaram as águas, o Jordão se abriu e eles entraram. Vocês sabem que eles foram os primeiros a entrar e os últimos a sair. Eles tinham a arca sobre os ombros; isto fala da preeminência de Cristo, da primazia de Cristo. A arca sobre os ombros. Não eram os sacerdotes que se destacavam; era a arca. Então eles entraram primeiro no Jordão e pararam no fundo do rio, e todo o povo passou. E depois é que os sacerdotes saíram.
Queremos servir ao Senhor em sua casa? Isto não é romântico. Nós precisamos ser os primeiros a entrar na morte, e os últimos a sair dela, levando no corpo a morte de Jesus. Porque, na medida em que essa morte de Jesus opera em nós, a comunhão com o seu sofrimento, a obra da cruz removendo de nós o que não coincide com o Senhor. Então, em vocês opera a vida. Não há outro caminho de frutificação. Morte e ressurreição. «Se o grão de trigo não cai na terra e morre, fica sozinho; mas se morrer, dá muito fruto» (Jo. 12:24). Prossigamos então, «…levando no corpo… a morte de Jesus».
7. Uma vida paradoxal
«...recomendamo-nos em tudo como ministros de Deus, em muita paciência, em tribulações, em necessidades, em angústias; em açoites, em prisões, em tumultos, em trabalhos, em insônias, em jejuns; em pureza, em ciência, em longanimidade, em bondade, no Espírito Santo, em amor sincero, em palavra da verdade, em poder de Deus, com armas de justiça a mão direita e a esquerda; por honra e por desonra, por má fama e por boa fama; como enganadores, mas verazes; como desconhecidos, mas bem conhecidos; como moribundos, mas eis que vivemos; como castigados, mas não mortos; como entristecidos, mas sempre contentes; como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo nada, mas possuindo tudo» (2ª Cor. 6:4-10).
O nosso serviço cristão é uma vida paradoxal. Paulo fala de como eles puderam recomendar-se a si mesmos como ministros de Deus. «…em muita paciência». Você viu o caráter de Cristo aqui? Muita paciência. Se não, não podemos servir ao Senhor em sua casa. «…em tribulações», porque bem-aventurado o varão que suporta com paciência as aflições. «…em necessidades». Não servimos na casa de Deus para obter lucro ou ganho. Em seguida, «…em angústias; em açoites».
Sabe, irmão? O Senhor fala de um servo, em Lucas, que açoitava a outros servos. Sabe como se mostra ali esse açoite? No falar mal, no falar inapropriado, no falar injusto, no falar indigno. Tiago 3 diz que não podemos ser servos do Senhor se não domarmos a nossa língua. Não podemos edificar a casa de Deus, se nós não tivermos esse domínio próprio ao falar. Ou falamos demais, ou falamos de menos, ou falamos o que não é devido, ou falamos aquilo que é apropriado de maneira errada, falamos com um espírito errado, e causamos dano com a nossa língua.
Mas Paulo diz aqui: «…em açoites, em prisões, em tumultos, em trabalhos, em insônias, em jejuns; em pureza, em ciência, em longanimidade, em bondade, no Espírito Santo, em amor sincero, em palavra de verdade, em poder de Deus…». Muitas recomendações! Nós poderemos nos recomendar assim? Podemos nos pôr diante dos irmãos e dizer: Recomendamos-nos em tudo isto? Que lista essa! Por isso 2ª Coríntios é o manual do nosso serviço. Esse caráter de Cristo precisa ser formado em nós, para que a casa de Deus possa ser edificada.
Então nos versículos 8 ao 10, Paulo fala sobre a vida paradoxal, com palavras tão lindas. «…como desconhecidos, mas bem conhecidos…». Desconhecidos de muitos, conhecidos por Deus. «…como moribundos, mas eis que vivemos», por causa da sentença de morte. «De maneira que a morte atua em nós, e em vós a vida» (2ª Cor. 4:12). Esse é o caminho da cruz. Depois, ele diz: «…como castigados, mas não mortos; como entristecidos, mas sempre contentes». Não é um tremendo paradoxo? «…como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo nada, mas possuindo tudo».
Esse é o resultado da obra da cruz: o paradoxo da vida cristã. Quanto mais Cristo é formado em nós, mais livres somos de tudo e de todos, e mais somos servos uns dos outros. Esse é o paradoxo. Livres, mas escravos, escravos por amor. Então, este é o sétimo aspecto, a vida paradoxal.
8. Uma mente cativada pela obediência à verdade
«Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas poderosas em Deus para destruição de fortalezas, derrubando argumentos e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo pensamento à obediência a Cristo» (2ª Cor. 10:4-5).
A palavra fortaleza no versículo 4 é igual a pensamento no versículo 5. As fortalezas contra Deus se levantam em nosso pensamento. Os nossos pensamentos são como as portas de uma cidade. As batalhas são travadas na porta; quando ganha a porta, ganha a cidade. A nossa mente é como a porta.
Por isso Paulo diz aos colossenses: «Olhai para as coisas lá do alto» (Col. 3:2), e aos filipenses: «Tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro… nisto pensai» (Fil. 4:8). Em 1ª Pedro 1:13, este diz: «…cingindo os lombos do vosso entendimento». Há muito ensino no Novo Testamento sobre o pensamento. «…transformai-vos pela renovação do vosso entendimento» (Rom. 12:2). Não podemos servir na casa de Deus sem uma mente renovada.
Irmãos, a nossa mente tem muitas marcas. Tem sequelas da nossa criação, do nosso lar de origem, dos nossos traumas, de toda a nossa história. Sabe qual é o propósito do Senhor nisso? Será que ele não estava atento à nossa história? Antes de crer nele, Romanos vai dizer que, na sabedoria eterna de Deus, ele permitiu e limitou tudo aquilo que nós passamos antes de conhecê-lo para um propósito: «Quando o pecado abundou, superabundou a graça» (Rom. 5:20). Esse foi o propósito de Deus. A nossa história não é simplesmente tirada, a nossa história é uma base em nós mesmos.
Quando o Senhor ordenou a Páscoa, era para que o povo pudesse olhar para o passado. Isso é muito interessante! O Senhor disse: «Não recordem as coisas passadas, não recordem as coisas antigas». E, por que ele estabeleceu a Páscoa? Era um memorial do passado, mas não era simplesmente um memorial do que eles eram. Era um memorial duplo: o que eles eram, e o que o Senhor os fez. O sangue da Páscoa. «Quando abundou o pecado», a escravidão, o medo, «superabundou a graça. Esse é o propósito do Senhor.
Este texto de 2ª Coríntios diz que a nossa mente tem fortalezas e argumentos. Irmãos, não podemos imaginar quantos pensamentos temos que se levantam contra Deus, contra a justiça de Deus, contra o amor de Deus, contra o caráter de Deus; fortalezas, sofismas, altivez, que se levanta contra o conhecimento de Deus.
«…e trazendo cativo todo pensamento à obediência…». A lição aqui é a seguinte: Nós não podemos conduzir nenhum pensamento (de outros) cativo à obediência a Cristo, se os nossos próprios pensamentos não foram previamente levados cativos. Por isso Paulo diz: «…porque as armas da nossa milícia não são carnais» (2ª Cor. 10:4). A mente de Paulo era a mente de Cristo, os sentimentos de Paulo eram os sentimentos de Cristo, a vida de Paulo era a vida de Cristo; então, ele podia destruir fortalezas.
Conta-se também do irmão Nee, que uma vez ele teve uma reunião com vinte obreiros, no centro de treinamento no monte Kuling, na China; uma reunião para ajuda pessoal. Então, cada irmão foi falando algo da sua história atual e o estado em que se achava em seu serviço ao Senhor. E o irmão foi discernindo e dizendo o que seria necessário para um próximo passo a cada um daqueles obreiros, a cada um em seu momento. Porque o homem espiritual julga ou discerne todas as coisas. Por que é possível fazer isso? Porque a nossa própria mente é levada cativa à obediência a Cristo.
Irmãos, que o Senhor nos ajude nisto. A nossa mente originalmente era um depósito de lixo. Ele nos chamou para converter a nossa mente em um rico depósito da Sua palavra. «A palavra de Cristo habite em vós com abundância…», instruindo, aconselhando, exortando, admoestando, «…levando cativo todo pensamento à obediência a Cristo».
9. O zelo de Deus
«Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; pois vos tenho desposado com um só marido, para vos apresentar como uma virgem pura a Cristo. Mas temo que como a serpente com a sua astúcia enganou a Eva, os vossos sentidos sejam de alguma forma extraviados da sincera fidelidade a Cristo» (2ª Cor. 11:2-3).
A nona marca, o «zelo de Deus», não é zelo próprio. Não é zelo da minha obra, não é zelo da minha igreja. Às vezes escutamos essa expressão, ‘minha igreja’. Só há um que pode dizer isso: o nosso Senhor. «Eu edificarei a minha igreja». Só ele tem igreja. Nós não temos igreja; ele tem igreja. Nós não temos obra; ele tem obra. Então, não é o zelo do homem: «zeloso de vós com zelo de Deus».
Aqui temos duas coisas. Primeiro Paulo diz: «Mas temo…». Nós devemos temer isto em nosso serviço, em nosso ministério entre os irmãos, nosso ministério na casa de Deus. «…temo que como a serpente com a sua astúcia enganou a Eva, os vossos sentidos (vossa mente) sejam de alguma forma extraviados da sincera fidelidade a Cristo». Vejam que outra vez se enfatiza a mente: «…vossas mentes sejam corrompidas e se apartem da simplicidade e pureza que são de Cristo» (na versão em português).
O que significa «simplicidade e pureza»? Nós precisamos trabalhar na casa de Deus com zelo de Deus, para promover duas coisas: simplicidade e pureza. Não é lindo isso? Sabe o que significa simplicidade? Significa ter um só foco; olhos simples. Recordem Mateus 6:22: «Se teu olho for simples…». Há uma versão que diz: «Se teu olho for bom…», mas não é a melhor tradução. A palavra grega aplos significa simples. «Se teu olho for simples, todo o teu corpo estará cheio de luz». Que maravilha!
Se tivermos um só foco, todo o nosso corpo terá luz. Se tivermos um foco dividido, queremos servir a Deus e às riquezas, queremos ter tesouro nos céus e tesouro na terra, amamos isto e amamos mais aquilo, então todo o nosso corpo estará em trevas. E que grandes trevas serão! Mas se os teus olhos são simples, todo o teu corpo será luminoso.
Sabe porque é difícil pegar uma galinha em um cercado? É muito difícil quando está solta e correndo, porque ela tem dois campos visuais. Ela vê todo o lado direito e todo o esquerdo, porque os seus olhos são voltados para frente, mas para os lados. Tem uma visão dividida. Então é muito difícil agarrá-la. Mas, como Deus nos fez? Com dois olhos para frente. Por quê? Porque temos um único ponto de foco. Você não consegue focar dois objetos ao mesmo tempo; só focamos um.
Assim é na vida espiritual. Se os teus olhos forem simples, todo o teu corpo será luminoso. Um foco, uma meta, um amor, um olhar. Nós somos chamados para isso e devemos trabalhar na casa de Deus para ser simples. Um só foco, um só amor, um só Senhor.
E o que significa pureza? Pureza significa estar constituído de um só elemento. Quando somos simples, e temos um só foco, o que ocorre dentro de nós? Somos puros, constituídos de um só elemento; porque o nosso foco é um só, então esse foco vai nos ganhar totalmente. Se formos simples, então seremos puros; se não formos simples, seremos impuros. Ser puros é estar constituído de um só elemento.
Vejamos um exemplo. O grafite é carvão puro; mas ele é tão frágil, mais ainda que o papel. Ao passar um lápis sobre o papel, o lápis risca o papel, porque este é mais forte que o grafite e gasta o grafite. O grafite é puro, mas fraco. Ele é opaco. Mas se pudéssemos tomar um pedaço de grafite e enterrá-lo bem profundo, submetido à morte, tempo, pressão, temperatura, o que recolheremos depois? Um diamante, porque o grafite passou por um processo.
O grafite não tem como refletir a luz. Sim, ele é puro, mas precisa passar por um processo. «…levando no corpo sempre por toda parte a morte de Jesus… Levai o meu jugo sobre vós, e aprendei de mim…». Esse é o processo.
E, o que ocorre com o diamante? O diamante também é carvão, só carvão, carvão puro; só que é precioso. O grafite não revela a glória da luz. O Senhor é a Luz, nós somos instrumentos para revelar a luz. Nós não somos a luz; ele é a luz. O grafite é puro, mas não revela a luz. Mas, à medida que ele passa por esse processo, torna-se um diamante, e então pode revelar a glória da luz.
Quando a luz entra no diamante, se refrata, divide-se em sete cores: a glória da luz. Isso é o que o Senhor quer fazer em sua igreja. Por isso, Efésios 3:10 diz que, através da igreja –o diamante (veja a refração aqui)–, a multiforme, a multiface sabedoria de Deus, é dada a conhecer os principados e potestades. A isso fomos chamados; só assim nós podemos servir na casa de Deus.
O Senhor continue falando aos nossos corações.
Mensagem compartilhada em Temuco (Chile), em Outubro de 201
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